quinta-feira, 8 de julho de 2010

Julgando pela aparência

Outro dia eu estava lendo algo sobre o samurai Musashi, de que o seu professor de esgrima, entre outros talentos, era mestre na arte do chá. Pensei que seria legal aprender mais sobre essa arte (que não é só fazer e tomar chá, isso qualquer macaco faz), mas não conheço ninguém que possa me ensinar.

Eu não posso, pelo menos aqui no Brasil, sair a dizer isso pra qualquer um, porque as pessoas me olharão com cara de "WTF?". Ninguém vai me ajudar, e será apenas mais um motivo pra me acharem excêntrico. As pessoas não entendem bem o interesse de alguém naquilo em que elas não conseguem enxergar qualquer utilidade prática.

Futilidade é um conceito que está sempre no topo da lista de julgamentos diários de qualquer pessoa. É um conceito essencial para que possamos selecionar aquilo que nos é mais importante ou necessário no meio do universo de eventos que nos são apresentados a todo momento, orienta nossa mente no sentido de se concentrar em algo produtivo, prazeiroso, ou de alguma forma recompensador.

Mas aí existe uma armadilha: como as necessidades e os gostos são estritamente individuais, a definição do que é "fútil" ou "inútil" é relativo e muito pessoal. Sob esse ponto de vista, é possível que alguém diga que ouvir axé não serve pra nada, e outro que diga que ler Aluísio de Azevedo não acrescenta nada na vida de alguém, e obter justificativas idênticas e igualmente fundamentadas. Você que se doeu no primeiro ou no segundo exemplo já está começando a entender onde eu quero chegar.

Julgamos as pessoas pela aparência. Quanto mais aspectos superficiais conseguimos acessar, mais fácil é qualificá-las. Isso também é necessário para que possamos, de modo mais ágil possível, selecionar pessoas no nosso convívio que tenham a maior probabilidade de nos trazer recompensas imediatas (sociais, afetivas, financeiras, o que quiser). É a triste verdade que a maioria de nós nega para parecermos mais legais. Geralmente, um dos aspectos superficiais que usamos como parâmetro é o que a pessoa expõe espontaneamente, seja pela sua atividade no trabalho ou no seu tempo livre, seus gostos no perfil do orkut, seu modo de escrever ou falar, moda, aspectos que estão sempre acessíveis ao observador casual. Entre eles, as preferências, os gostos, são muitas vezes onde nos esbarramos, e onde identificamos o quão "fútil" é aquela pessoa, o que nos leva a deixá-las de lado, afinal, não temos tempo para todo mundo.

Aí está o erro. Ora, futilidade não é um conceito estritamente pessoal? Se o meu conceito do que é útil ou construtivo é tão pessoal, quem eu penso que sou para dizer que outra pessoa não faz nada de útil? Utilidade é o que atribuímos a qualquer coisa que nos seja útil, e nem tudo é útil para todos da mesma forma. Um "nerd punheteiro que só joga games e não faz mais nada na vida" só será realmente fútil se ele não souber aproveitar o que a sua atividade "fútil" (games) lhe oferece, por exemplo, melhorando seus reflexos, aprimorando o raciocínio, ou simplesmente a oportunidade de ler e participar de uma boa história. Substitua "games" por "futebol", "balada", ou qualquer outro hobbie que lhe venha à cabeça, e o sentido continuará o mesmo. Alguém que leia os livros do Casseta & Planeta e se divirta horrores não será mais "fútil" do que quem se dedica a ler os livros de Joseph Campbell e não entende nada, assim como ir a um concerto de Heavy Metal, de música barroca, ou numa micareta oferece igualmente os mesmos benefícios para quem prefere uma ou outra e só será "fútil" para quem não conseguir extrair nada de proveitoso deles.

A armadilha está sempre aberta e estamos sempre caindo nela. A saída é, no momento em que formos passar o julgamento sobre o outro e seus atos e preferências, tirar os sapatos e pensarmos em nós mesmos sob o olhar de outra pessoa. Assim, é possível que rejeitemos menos as pessoas (ou pelo menos não imediatamente), e possamos nos dar a chance de conhecê-las melhor. Podemos ter boas surpresas nisso.

Viver num meio universitário megadiverso onde você não escolhe quem vai se aproximar de você me ensinou a fazer isso :^P

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