sábado, 24 de julho de 2010

Momentaneamente puto

Esses dias vi uma coisa que me deixou em alerta. Um camarada escreveu um artigo sobre rivalidades na Fórmula 1, um artigo muito bem escrito por sinal. O primeiro comentário que ele recebeu foi neste teor: "'diabólico'? 'maquiavélico'? até parece que vc usa essas palavras normalmente. Isso aí é uma pesquisasinha sem vergonha de corta e cola etc.", e desandou a desqualificar o texto.

Não sei mais em que país estou. Aqui se fala português ainda, certo?

Mas não é sobre vocabulário que eu quero falar, até porque eu sinto que o meu está diminuindo com o tempo :^P Mas tem uma coisa nesse comentário que me deixou de cabelo em pé. É a crítica ao uso de um vocabulário que excede o coloquial de porta de bar. E a crítica à "pesquisa", ou seja, obtenção de conhecimento por levantamento e análise crítica de fontes, e não apenas pela "intuição" ou pelo "ouvi falar", ou pela "escola da vida", onde basta você ficar parado no seu lugar para deduzir toda a realidade para além dos seus muros.

É a ojeriza que o brasileiro tem ao conhecimento, e aos detentores/produtores de conhecimento. Demonstrar conhecimento aqui é ser "antipático", "pedante", "metido a besta". É ser, sobretudo, "arrogante", o que faz a sua opinião, embasada em aspectos técnicos e construída por informações acumuladas por observações e pesquisa, ser ignorada pela maioria. Repare que eu não prego a arrogância, e nem que uma opinião com maior musculatura teórica esteja necessariamente correta. É diferente, quando você é perguntado sobre algo no qual você se especializou, e você responde da maneira mais completa possível baseado no que você conhece a respeito daquilo (às vezes, contrapondo as suposições do indagador), de quando você entra numa conversa que não lhe diz respeito para dizer que todos ali estão falando merda, e que o certo é o que você estudou. Isso é estúpido, e é pedir para ser motivo de chacota, senão coisa pior, em qualquer meio e qualquer nível, e em qualquer lugar do mundo.

Se demonstrar conhecimentos é ser um "babaca", isso inibe quem os detém. Conheço pessoas (eu, em muitas situações) que tem vergonha de expor sua bagagem intelectual, porque ninguém respeita o seu esforço em acumular conhecimento. Anos de estudos e especialização vão por água abaixo quando vem um cara qualquer que só leu A Vida Secreta das Plantas na vida, e te acusa de não "enxergar a verdade", e quando você rebate as argumentações, a pessoa desvia o assunto para argumentos ad hominem (porque não tem bagagem para debater, mas também não reconhece que possa, talvez, estar completamente errado por causa dessa deficiência teórica), e, no final, ainda sai cantando vitória. Nem comento o desespero dos psicólogos, que, após apresentarem seu método de trabalho na primeira consulta, recebem a notícia de que o paciente resolveu todos os seus problemas com um astrólogo que disse que tudo ia dar certo e cancelaram o horário. Ou os mestres de shiatsu que precisam concorrer com massagistas que fizeram um curso de 6 meses dessa técnica, que, normalmente, demora-se mais de 10 anos para ser dominada, ou os paisagistas formados e com cursos de especialização que perdem espaço para amadores sem qualificação. São incontáveis os casos em que ao suporte teórico não se dá valor algum, e todo mundo acha que pode fazer melhor do que o especialista, ou que o seu serviço vale tanto quanto o do zé da esquina que cobra menos.

Há muito assunto sobre "especialistas" e "generalistas" que eu gostaria de escrever em outra ocasião (que o super especialista pode não ser o suficiente para resolver uma questão que passe pela sua alçada por não ter uma abordagem mais global e sistêmica, que possa se fazer necessária para compreender o assunto, e que um generalista possa, na superficialidade da sua instrução, produzir um resultado mais eficiente por ter mais mobilidade teórica, por exemplo). Mas o desprezo ao conhecimento (que os especialistas e os generalistas tem, em diferentes níveis, mas, talvez, em volume equivalente, se isso puder ser medido) a à opinião de quem o detém é algo desanimador. Você estuda um rol de temas e assuntos, que consome o tempo que você poderia estar dedicando em ganhar dinheiro, por exemplo, se especializa, lê volumes enormes de trabalhos científicos, adquire experiência prática de campo, discute com autoridades sobre detalhes que você não conhece direito para absorver aquele algo mais, tem seus trabalhos respaldados pela comunidade científica, ganha mal para fazer tudo isso, para, no final, sua opinião valer tanto quanto o palpite de alguém. Não que eu seja um poço de conhecimento. Mas palpite, até meu cachorro tem.

Nenhum comentário:

 
eXTReMe Tracker