quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Catástrofes ambientais.

Há quase 1 ano, em fevereiro de 2010, ocorreu um terremoto no Chile, perto da cidade de Concepción. Foi um dos terremotos mais violentos (o sétimo maior) já registrados na história. Atingiu em cheio a cidade de Concepción, com uma força de 8,8 na Escala Richter, durante quase 3 minutos, com reflexos entre 6,5 e 5 pontos na mesma escala durante a hora seguinte. Foi sentido em locais tão distantes do epicentro, no fundo do mar junto à costa chilena, quanto Buenos Aires, Ilhas Malvinas e Fortaleza. Seu impacto foi o suficiente para retardar a rotação da Terra em pouco mais de 1 milissegundo, e o eixo de rotação do planeta foi deslocado em 8 cm. A cidade de Concepción saiu do lugar, deslocando-se em bloco cerca de 3 metros para o oeste.

Toda essa catástrofe gerou perdas materiais em torno de 2 milhões de estruturas urbanas perdidas, entre casas, prédios, e demais construções. O número de vítimas fatais chegou a algo entre 520 (segundo órgãos do governo chileno) a 795 pessoas (segundo a então presidente Bachelet, citada pela Agência Reuters).

Segundo os últimos dados da Defesa Civil, alguns dias de chuva foram suficientes para matar, até o momento, 765 pessoas em 4 municípios da Região Serrana do Rio de Janeiro. Esses dados são específicos para esta região, e não está contando com o que tem acontecido durante este período em São Paulo, Sul de Minas e Espírito Santo.

Temos duas tragédias causadas por forças da natureza, ocorridas na mesma época em países próximos em termos de desenvolvimento e acesso a tecnologias, com números de vítimas fatais semelhantes. Num deles, foi um sismo que liberou uma potência equivalente a milhares de bombas atômicas, enquanto no outro, foi um dia de chuva particularmente intensa, porém esperada para a época do ano.

ONDE ESTÁ O ERRO?

Terremotos são tão comuns no Chile quanto as chuvas são no Sudeste do Brasil. Com a diferença que um terremoto irá derrubar qualquer estrutura que não tenha sido construída para ser chacoalhada durante um tremor de terra, enquanto a chuva, por natureza, cai no chão e é absorvida pela terra ou levada para os rios por córregos temporários cavados nos morros ao longo do tempo. Entre um aguaceiro e um terremoto, qual vc escolheria? Foi o que eu pensei.

No Chile, aparentemente, as pessoas são mais inteligentes, e demandam de seus políticos e da sua classe empresarial medidas para previnir tragédias durante os terremotos. Desta forma, em qualquer buraco do lado de lá dos Andes, é possível encontrar pelo menos alguns edifícios construídos com tecnologia para absorver impactos advindos de movimentos do solo para, se não foi possível continuarem de pé, pelo menos não desmoronarem sobre a cabeça das pessoas. Além disso, campanhas governamentais na área de educação, e um suporte da mídia, faz com que o cidadão chileno comum tenha conhecimento de certas atitudes a serem tomadas em momentos de crise para salvarem as suas vidas. De modo que, enquanto um terremoto de "apenas" 7 pontos na escala Richter matou, imediatamente, 100 mil pessoas no Haiti (com mais 200 mil adicionados a esse número nos dias que se seguiram, por soterramento, ferimentos, doenças, desidratação, etc.), um tremor como o do ano passado devastou o país mas não chegou a ceifar mil vidas.

No Brasil, onde os prédios desmoronam sozinhos porque foram construídos com areia e os seus responsáveis morrem de velhice antes de irem para a cadeia ou pagarem as devidas indenizações, não tem muitos problemas com tremores de terra. Eles ocorrem casualmente em regiões onde fendas no subsolo deixadas por antigos lenções freáticos ou bolhas deixadas pelo magma derramado há muito tempo se assentam com o peso da crosta acima. Não são muito potentes, portanto, é compreensível que, no Brasil, não haja grande preocupação com esse tipo de fenômeno, embora grandes arranhacéus sejam atualmente erguidos com sistemas de amortecimento que permitem algum grau de torção da estrutura.

No entanto, qualquer macaco sabe que, entre novembro e abril, a região sudeste é acometida por chuvas pesadas e repetitivas, num regime quase diário. Também, caso vc não esteja em estado vegetativo desde o nascimento, todos sabem que o relevo desta região é acidentado, marcado por duas cordilheiras paralelas (Serra do Mar e Serra da Mantiqueira), bordejadas por planícies inundáveis (as Baixadas). E todos sabem que se trata de região mais densamente ocupada do país. E, mesmo assim, permite-se que as pessoas ocupem as encostas de morros (com casas, ou atividades rurais), bases de afloramentos rochosos com pedras rolantes, beiras de córregos de drenagem. Quem cede a permissão para a construção nesses locais são as prefeituras, com anuência de seus secretários de meio ambiente, urbanismo, defesa civil, vereadores e outros que não me ocorrem agora. Porque é legal e bonito permitir que as pessoas ocupem um pedaço de terra, e elas ficam muitos agradecidas e não se esquecem de seus benfeitores. Se elas não morrerem num desmoronamento, elas votarão neles nas próximas eleições. Eles sabem disso.

Não se trata apenas de exploração das necessidade alheias, que é o default da política no Brasil. Nas cidades afetadas pela chuva, havia muitos condomínios de classe média e alta em situações semelhantes às das favelas que foram, igualmente, atingidas. São empreiteiros recebendo favores em troca de apoio aos seus candidatos, com concessões que violam qualquer critério de avaliação responsável, elevam o preço da terra que receberam quase de graça (porque antes era terra "inútil") e atraem compradores com suas belas paisagens, segurança, tranquilidade, e clima agradável. Minha chefe me mostrou uma foto publicada na Revista Época desta semana do condomínio onde ela possuía uma casa. O lugar não existe mais. Muitos dos que estavam ali morreram, e nem sei se já foram contabilizados, pois continuam debaixo dos 3 ou 4 metros de lama que se acumulou no vale abaixo.

O que deveria ser feito? Supondo que trocamos de lugar com o Chile, que medidas de prevenção seriam tomadas?

-Primeiro: a desocupação imediata de encostas de morros, com realocação dessas pessoas mediante a construção de conjuntos habitacionais em locais planos ou de baixo risco e apropriação de edifícios abandonados ou inacabados. No extremo da falta de moradias, adotar um aluguel social temporário que lhes permita ter para onde ir antes de encontrar um local definitivo.

-Segundo: a recuperação da vegetação nas encostas antes ocupadas, bem como matas ciliares, leito de rios que drenam pequenas bacias hidrográficas. A recuperação dos rios nas áreas de risco previnem o deslocamento do solo e o depósito de sedimentos que faz com que o seu nível suba rapidamente no caso de chuva nas cabeceiras ou abaixo dos seus cursos. E a recuperação da mata previne (não completamente, mas de maneira significativa) os deslizamentos de terra, mantida pela ação das raízes, que também contribuem na absorção da água.

-Terceiro: multas por violações das leis ambientais precisam ser aplicadas com rigor, e, em caso de reincidência, prisão e confisco de propriedade, pois torna-se claro que o indivíduo, através do uso que ele dá à terra que lhe pertence, é uma ameaça à vida de outras pessoas e essa ameaça precisa ser neutralizada por quem tem a competência. (Não lembro de ter lido alguma lei que seja tão rígida quanto eu acho que deve ser, então, talvez, na atualidade seja o único detalhe que não possa ser prontamente aplicado).

A remoção de pessoas e expropriações são medidas extremamente impopulares. Não importa que sejam para evitar tragédias, as pessoas acham ruim ter que abandonar seus lares. Ninguém acha que vai acontecer alguma coisa, jamais. Então, para não perder votos, nenhum político com este poder toma qualquer atitude. Ao invés de remover parte de uma favela em risco de vir abaixo ou de uma comunidade no pé de um morro careca, eles vão mandar asfaltar uma rua por ali ou ceder tinta pra pintar os barracos. Ao invés de multar construtoras por violações do código ambiental, eles vão comprar um terreno no condomínio irregular por um preço camarada. Porque fazer o que DEVE ser feito, vai lhe custar popularidade, votos, e o poder de que desfrutam em seus currais eleitorais.

Até os gringos do jornal Le Monde percebem que a negligência das autoridades brasileiras constitui um crime. Todos eles estão banhados em sangue, e, neste momento, estão procurando meios de se tornarem salvadores daqueles que ainda não morreram, para perpetuarem-se onde estão.

Essa é a diferença entre o Chile e o Brasil.

Nenhum comentário:

 
eXTReMe Tracker