quinta-feira, 25 de abril de 2013

Tem gente que debate, tem gente que só bate

Tenho um relatório da UNICEF, publicado em 2007, nas mãos. Nele eu vejo dados interessantes: do universo da população brasileira, a proporção de adolescentes de 12 a 17 anos (a faixa de idade em que o jovem infrator pode sofrer medidas sócio-educativas ou privados de liberdade na legislação atual) em conflito com a justiça (que tenham cometido crimes) é de 0,1583%. Desses infratores, apenas 1,4% cometeram assassinatos, sendo os demais delitos considerados leves, principalmente crimes contra o patrimônio (furto, roubo, depredações), ou relacionados ao tráfico de drogas. Fazendo uma matemática macarrônica, do universo de cerca de 30 milhões de brasileiros entre 12 e 17 anos (segundo o IBGE, em 2010), 0,0022162% dos jovens infratores cometem crimes contra a vida humana. Umas 700 pessoas.

O relatório ainda diz que, entre jovens internados em unidades onde são privados de liberdade, o índice de homicídios registrados por essa população sobe para 15% do total de crimes registrados.

Ao mesmo tempo, em 2002, a causa externa de óbito (ou seja, não causada por doenças) mais comum em menores brasileiros foi o homicídio, correspondendo a 40% das causas de morte externas.

Ou seja, somos um país que assassina seus jovens, fabrica criminosos profissionais com políticas carcerárias obsoletas, e ainda espuma pedindo que a maioridade penal seja rebaixada para 16 anos, o que vai abranger uma pequena porção dos 0,1583 jovens infratores do país, causando um impacto sensacional na segurança pública.

Eu, pessoalmente, duvido muito que bater mais forte do que já se bate vá fazer alguma diferença. Talvez dê, já que eu não entendo de nada disso, e parece ter surgido muitos especialistas no assunto ultimamente. O que eu acho mais interessante é que muitos dos que pedem o sangue dos jovens infratores são os mesmos que acham ridículo que homossexuais sejam protegidos por lei contra crimes de homofobia - um homossexual é morto por dia no Brasil e os registros de ocorrência de violência não letal não param de subir. É pouca coisa pra se tomar uma atitude específica e encarar isso como um problema crônico, né? Mudar a lei para punir 700 moleques sem rumo na vida também é. Creio que os grandes beneficiados com a diminuição da maioridade penal serão os pais e responsáveis por esses menores, que não poderão ser responsabilizados criminalmente pelas barbaridades que as suas crias cometerem, e, no final, quem mais é responsável pela formação de um bandidinho dentro de casa do que os que o criaram?

Tem uma dessas campanhas de Facebook que apelam para a histeria coletiva, divulgando dados falsos sobre a maioridade penal em países do primeiro mundo. Essas campanhas citam a idade mínima pela qual um menor pode sofrer sansões sócio-educativas por crimes cometidos como se fosse a idade da maioridade penal, ou seja, quando alguém pode ser julgado, condenado e punido como um adulto completo, e usam isso como argumento pétreo para justificar a redução da maioridade penal no Brasil. Acontece que o mesmo relatório, na página 15, expõe uma tabela com a idade mínima de responsabilidade penal juvenil e a maioridade penal em todos esses países, e outros mais, e exceto a Estônia, a Turquia e os Estados Unidos, o indivíduo só é totalmente responsável pelos seus crimes após os 18 anos (e em alguns países, dentre eles uns alardeados nessas campanhas de Facebook, somente aos 21). Igual aqui.

Por enquanto essa é uma discussão muito pobre, baseada em técnicas de desumanização do "alvo" e num sentimento de vingança, argumentos baseados em dados falsos (elaborados, creio eu, de má fé), e que, de maneira alguma, ataca o verdadeiro problema, que são os fatores que GERAM o menor infrator. Muita gente com tridentes e tochas na mão, e pouca gente se dando ao trabalho de pensar no problema, em causas e efeitos. Nós, inclundo VOCÊ, estamos gerando delinquentes e não estamos debatendo como fazer para que isso não aconteça - apenas em como varrer os corpos para longe das vistas.

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