quinta-feira, 5 de setembro de 2013

História em curso

De tudo que aconteceu desde junho passado, uma das coisas que tem me chamado mais a atenção tem sido como a Globo parece perdida diante das transformações sociais, no que tange à divulgação e ao acesso à informação por meio das redes sociais, que ela não controla. Pela primeira vez a Globo, que é dona dos 2 jornais de maior circulação no Rio de Janeiro, do único jornal direcionado da classe média pra cima que restou, e da emissora de maior audiência, além de vários canais na TV paga direcionados a públicos específicos (um "educativo" e outros para os de maior poder aquisitivo, diga-se de passagem), deixou de ser o único veículo de comunicação de massa.

O principal sinal de que alguma coisa estranha estava acontecendo nas redações desse conglomerado jornalístico veio nos dias que se seguiram à final da Copa das Confederações. Os telejornais veiculavam a notícia do confronto entre manifestantes em policiais militares nas ruas da Tijuca e do Maracanã, enfatizando que "a confusão começou quando manifestantes atacaram policiais com coquetéis molotov", enquanto a TV mostrava exatamente o instante em que policiais atiravam bombas e balas de borracha em manifestantes pacíficos ANTES do coquetel molotov ser atirado. "O policial atingido passa bem".

A posição da empresa sucumbiu diante do volume de vídeos, fotos, testemunhos de gente que estava lá no meio e de gente que nem estava participando do ato, e foi atingida pelos ataques das forças do Estado, no pleno exercício dos seus direitos, só porque estavam no caminho. Então, como tem gente inteligente lá dentro, alguma hora alguém percebeu que as pessoas não estavam engolindo as versões da emissora e dos jornais, e que, como uma enorme fatia do seu mercado tem facebook, e, portanto, acesso às informações não vinculadas por eles, a imagem da empresa (que reverte no valor do seu espaço publicitário, que é, no final, onde eles conseguem dinheiro) estava abalada. Depois disso, as notícias sobre manifestações passaram a um tom mais jornalístico, como quando um rapaz foi preso em Laranjeiras acusado de jogar um coquetel molotov sobre policiais, e, usando vídeos divulgados em redes sociais, a própria Globo, em tom investigativo, colaborou para inocentar o cara - foi um policial à paisana o autor do crime, com permissão da corporação, porque depois ele foi visto circulando despreocupadamente entre os colegas.

Mas as maquinações nunca pararam. Os manifestantes mais "radicais", os Black Blocs, que se colocam na linha de frente e enfrentam a polícia, garantindo a segurança dos demais manifestantes, foram os bois de piranha da vez. Já que não se podia mais criminalizar as manifestações como um todo (manifestações estas que tem a própria Globo como alvo também), devido aos muitos olhos que registram o que não passa na TV, a empresa passou a atacar implacavelmente os Black Blocs, inspirando medo em quem nunca os viu de perto. Agora não eram mais manifestantes cometendo vandalismo, eram os Black Blocs especificamente. E, manobrando a opinião pública, abriu-se a brecha para que a câmara dos vereadores proibisse o uso de máscaras em manifestações no Rio de Janeiro, permitindo, agora, que qualquer Black Bloc seja preso por esconder o rosto - então, agora, para enfrentar o poder policial, o sujeito precisa estar com a cara limpa, tornando um alvo fácil para ameaças, perseguições, e prisões posteriores... vocês sabem o que acontece quando você enfrenta um PM cometendo abusos.

A última da empresa dos Marinho foi divulgar uma nota justificando a sua postura diante do golpe militar de 1964 como um "erro de redação" diante das "muitas versões que circulavam no momento em que aconteceu". Lógico, tentando melhorar sua imagem e agradar um governo que se diz de esquerda e que, nos últimos 10 anos ela não conseguiu abalar (nem depois das grandes manifestações de julho e das tentativas ultraconservadoras de guiar essas massas contra o governo federal). Aí, o general Clóvis Purper Bandeira, que não tem a menor simpatia pelos ex-guerrilheiros que compõe o atual governo, escreve isto, dizendo que "erro de redação é uma ova": http://www.jb.com.br/pais/noticias/2013/09/03/jb-publica-carta-do-gal-clovis-bandeira/

Definitivamente, se houve alguma revolução resultante dos movimentos, foi na relação da imprensa com a informação e os receptores de informação, que está circundando os seus veículos de comunicação e chegando sem filtros ao público que, em tese, é seu. Esta revolução ainda está em curso, e seu resultado final ainda não tem forma. Mas está sendo muito interessante observar todo o processo.

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