quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Toda pessoa importa

Fazer o bem sem olhar a quem. Gentileza gera gentileza (Amorrr). Seja a mudança que você quer ver no mundo. Ama o próximo como a ti mesmo. Todo embrião gerado há pelo menos 4 horas neste planeta já ouviu alguma dessas frases e achou bonitinha. Ou achou que é coisa de hippies, comunistas, ou hippies comunistas. Mas, dentre todos os seres humanos que estão na Terra neste minuto com mais de 4 horas de vida, quantos realmente pararam para pensar no que os profetas, ungidos, louquinhos de rua, e hippies comunistas estavam tentando dizer.

Por mais individualista que você acredite ser, sua qualidade de vida depende largamente da sua interação com as outras pessoas. Se você é uma pessoa absolutamente reclusa e solitária, que não é assistida por ninguém, que não assiste TV, não ouve rádio, não acessa internet, não pede comida por telefone - nem sai pra comprá-la no mercado, nem por qualquer outro motivo - então, em algum momento, a sua qualidade de vida vai depender, em algum grau, da sua relação com outras pessoas. Viu, até o João Gilberto está sujeito a isso.

Agora, se você é uma pessoa normal, que sai todo dia pra trabalhar ou estudar, pega trânsito, sobe num ônibus, mostra o crachá na portaria, almoça no quilo, recebe e distribui tarefas, volta pra casa e janta com familiares, e posta abobrinhas no facebook, então essa relação é mais óbvia. Pois veja: mesmo que você seja uma pessoa extremamente satisfeita consigo mesma, se você esbarrar com uma pessoa grosseira na rua, o motorista do ônibus passar do seu ponto, seu chefe te der um esculacho, a comida do restaurante estiver morna, seu(sua) companheir@ estiver de ovo virado, e seus posts no face forem criticados, seu humor não vai resistir por muito tempo. Imagine isso se repetindo todo dia. Sua boa disposição vai lentamente, entre idas e vindas, se transformando em misantropia, você vai "endurecendo", se torna cada vez mais ranzinza.

Sua crescente insatisfação poderá, possivelmente, levá-lo a apontar para os responsáveis pela sua angústia. Embora a habilidade de apontar o dedo indicador não seja presente desde o nascimento, uma vez aprendida se torna a maneira mais fácil de identificar problemas. A pessoa da rua é uma estúpida, o motorista é um incompetente, seu chefe é arrogante, o restaurante é ruim, seu(sua) companheir@ não entende você, e as pessoas no face são manipuladas. Resolvido.

Só que não.

Este é o mundo visto em primeira pessoa. Se você se encaixa nesse padrão de comportamento, então você é tão egoísta que acha que o mundo inteiro se importa tanto em azucrinar você que ele tem um plano sistemático para isso, que envolve pessoas que você nem conhece. Como essa ilusão é algo que pode ser resolvido com remédios, vamos pensar fora da caixinha. Ou, como eu gosto de dizer, vamos calçar os sapatos de outra pessoa.

Vamos pegar o motorista. Ele não é um homo ex machina cuja única função é dirigir um ônibus. Ele acorda cedo e com fome, sai para trabalhar, cumpre seu horário, volta para casa. Ele, como você, no percurso do dia, estabelece relações com outras pessoas. Será que elas o tratam com gentileza? Será que ele mora num lugar em que ele é respeitado, será que o padeiro lhe dá bom dia? Será que o patrão não está exigindo dele mais do que as suas ferramentas de trabalho lhe permitem (como é comum das empresas de ônibus cobrarem tempos de percurso dos motoristas que só são possíveis em condições perfeitas de trânsito)? Será que ele tem que aturar grosserias de passageiros e de outros motoristas? E ao voltar para casa, será que a sua família dá valor ao seu trabalho?

O padeiro que não deu bom dia ao motorista, será que ele dormiu bem? Ele mora num local seguro? Alguém pediu fiado e não pagou, ou alguém assaltou a padaria enquanto estava fechada? Seus parentes estão bem de saúde?

Eu creio que já me fiz entender e não vou seguir a vida de cada ser humano para mostrar como as interrelações determinam comportamentos e e o estado emocional das pessoas, e é essa a matriz emocional que determina o quão bem nos sentimos com as nossas próprias vidas e nos motivam a fazer determinadas escolhas. Isso vale para mim, para você, para o brucutu da rua, para o motorista do ônibus, o segurança do trabalho, o seu chefe, seus colegas, seu(sua) espos@, pais e filhos. Assim como o emocional afeta o seu rendimento no trabalho, sua disposição para lidar com as pessoas, e as escolhas que você faz com a sua vida, o mesmo ocorre rigorosamente com todas as outras pessoas.

Finalmente cheguei onde eu queria: a importância de cultivar positivamente cada relação. Mesmo a mais banal. Mesmo com quem você nem precisaria se importar. Por exemplo, e isso é assustadoramente comum onde eu passei a minha juventude, pessoas que podem se dar ao luxo de pagar a terceiros por serviços que são necessários mas elas não tem tempo nem disposição, ou simplesmente acham indigno fazê-los. Não raro, ao estabelecer uma relação de trabalho com o prestador, a pessoa cria uma barreira emocional, e o prestador vira um homo ex machina. Por exemplo, um técnico que foi chamado para consertar a máquina de lavar: uma pessoa pode escolher recebê-lo com cortesia ou exigir que ele faça logo o serviço e saia o mais rápido possível. Se o sujeito for profissional, ele fará o serviço pelo qual foi pago indiferentemente.

Por meio da imobiliária da qual eu alugava minha casa eu conheci um pedreiro, o Vadinho. Sujeito muito competente, bem disposto, inteligente, caprichoso, virulentamente honesto. Por meiod a imobiliária, ele veio ao socorro em casos de urgência. Estabelecemos um relacionamento mutuamente generoso, a ponto dele vir me socorrer outras vezes, mesmo que eu não pudesse pagá-lo pelo serviço, e em contrapartida eu oferecia sobressalentes, como botijão vazio, um vaso sanitário melhor do que os que eu tinha instalado, qualquer coisa que eu tivesse e ele precisasse, e ele se colocou à minha disposição, mesmo morando agora do outro lado da cidade. Por outro lado, a imobiliária o tratou como um empregado, não valorizou sua experiência e não quis atender às suas orientações sobre outras obras nos seus imóveis. Entre eles, a menor falha na questão financeira fez com que ele recusasse serviço deles, e eles perdessem um ótimo pedreiro. Mas em algum momento ele pode ser necessário novamente, e talvez ele escolha não atender a esse novo chamado. Minha esposa me repreendeu por ter sido cortêz com o corretor da mesma imobiliária, apesar dele ter nos faltado com várias coisas ao longo dos anos. Mas se eu precisar alugar novamente naquela região, talvez eu precise recorrer a ele novamente, e achei por bem manter aquela porta aberta. Da mesma forma evito de cortar relações com as pessoas mais diferentes de mim, porque em algum momento eu precisarei de algum conselho, alguma recomendação, alguma informação, ou algum serviço que eles, dependendo da sua boa vontade comigo, poderão ou não atender. Por isso procuro ser gentil até com os crackudos da minha rua.

As relações interpessoais influenciam a qualidade de vida. E a qualidade de vida de cada um influencia o seu estado de espírito, seu humor, e, consequentemente, sua boa disposição para se relacionar com outras pessoas. A minha qualidade de vida depende da qualidade de vida das pessoas com quem eu preciso lidar diariamente. Não é obrigação minha ou de qualquer outra pessoa se preocupar com a qualidade de vida de outrem. É uma escolha, e como toda escolha feita conscientemente, é, isso sim, obrigação nossa aceitar as consequências dela. Você pode muito bem ser rude com o garçom do restaurante. Mas pense que ele vai lhe servir novamente depois.

Por isso é sensato fazê-lo. E por isso eu me sinto compelido a buscar fisicamente, intelectualmente ou ideologicamente maneiras de melhorar a vida das outras pessoas. Eu já disse anteriormente que sou um misantropo - na ocasião, um misantropo que se arriscava em causas sociais - e não tenho qualquer aspiração de obter reconhecimento. Faço o que faço e ajo como ajo egoisticamente, porque preciso das outras pessoas para fazerem coisas por mim que eu não posso ou não quero, enquanto ofereço a elas o que eu sei e o que sou capaz de fazer. É assim que a vida em sociedade funciona. E preciso que elas estejam de bem com a vida. Preciso entrar num ônibus cheio e encontrar as pessoas de bom humor, e não hostis a ponto de atacarem-se umas às outras porque aquilo é a gota d'água para elas. Preciso que elas estejam dispostas a colaborar umas com as outras e estabelecer relações construtivas, e não agredirem-se ao menor descontentamento. Quem enxerga isso e opta pela solidariedade enfrentará os revezes mais crueis: alguns tentarão se aproveitar de você, tentarão intimidar você, tentarão pará-lo a todo custo.

Mas vale a pena. Porque toda pessoa importa.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

No caminho da não violência encontrei uma pizza

Tenho pensado nas últimas semanas que a compaixão é uma das vigas de sustentação da não violência. E que a compaixão, para ela ser totalmente incorporada, natural e espontânea, ela precisa se estender a esferas cada vez mais abrangentes: aos familiares, aos amigos, aos conhecidos, às pessoas com quem você simpatiza, às pessoas com quem você tem algum tipo de empatia ou compartilha passivamente seu espaço, as pessoas com quem você não simpatiza, seus adversários, e aquelas que querem lhe fazer mal, inconsciente ou conscientemente. Fora dessas esferas, há ainda que se considerar os animais, dos que temos como estimação, dos que nos alimentamos, dos que nos são indiferentes, dos que nutrimos antipatia ou asco, e dos que nos são nocivos.

Por conta disso, há anos eu tenho praticado conscientemente o perdão para todas as afrontas, e controlado a violência em pensamento todas as vezes que eu testemunho uma injustiça. Tenho falhado miseravelmente todos os dias, mas cada vez menos. Isso é em relação às pessoas. Mas também, há várias semanas eu deixei de matar insetos domésticos, como formigas, moscas e baratas, e até pernilongos e borrachudos, mesmo que estivessem me picando. É algo que eu também estou exercitando conscientemente até que se torne natural.

Eu cheguei a considerar que, nessa jornada pela não violência, eu acabaria desembocando numa mudança de hábitos alimentares, quando a compaixão pelos animais tornasse moralmente impossível a ingestão de carne e outros subprodutos obtidos da morte destes ou do seu não consentimento (como laticínios e ovos).

Só que aí eu estaria partindo do princípio de que as plantas - a outra fonte de alimentação de que dispomos - não sentem ou não tem alma, ou coisa que valha. Isso é altamente discutível. Plantas não sentem dor por não terem sistema nervoso, mas mesmo sem sistema nervoso elas processam estímulos do ambiente e acionam mecanismos internos para reagir positivamente a eles (e não caoticamente, como se esperaria de um organismo desprovido de consciência física), incluindo reagir à predação, como qualquer animal, inclusive os que não processam a dor no seu cérebro. Sem falar da ingestão de brotos e sementes, que são embriões de plantas que nunca tiveram uma chance. Além disso, o que fazer com as frutas, cujas sementes dependem de alguém que as coma para se dispersarem e seguirem com o seu propósito? Isso tudo me colocaria numa sinuca, porque estendendo a compaixão aos vegetais - coisa que, isso sim, já está totalmente incorporado em mim! - eu, mantendo meus critérios, deixaria de comê-los. O que, no fim, seria uma má ideia.

Creio que a moderação, uma alimentação mais natural possível (que escape à carne processada e aos animais torturados com hormônios), que inclua somente o que o corpo precisa, sem excessos e extravagâncias, pode ser um objetivo alcançável. Eu já tenho um "pacto" com as árvores frutíferas, de recolher delas somente o que eu vou comer, e deixar para trás o resto para que sirvam de alimento a outros animais. É algo muito difícil (e MUITO CARO) de se fazer numa cidade como o Rio de Janeiro, mas é uma meta possível.

Gostaria de ouvir sugestões e experiências de quem optou pelo vegetarianismo, de quem tentou mas voltou atrás, e de quem optou por seguir o caminho da não violência, mas não sentiu a necessidade de mexer na alimentação mais do que a saúde exige.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Breves impressões sobre Dali

A arte é uma forma de expressão que funciona de maneira diferente sob dois aspectos: do ponto de vista do artista, seus sentimentos, sua mensagem, sua ideologia, sua técnica; do ponto de vista do observador, a maneira como aquela expressão é absorvida pelos seus sentidos, e a maneira como essa visão transformada o atinge. Creio que quanto menos estudo, quanto mais cru é o observador, mais autêntico é o impacto de uma obra sobre ele. Seria o meu caso.

Ontem visitei a exposição de Salvador Dali, no CCBB. Embora eu conheça a excentricidade do artista - quem não conhece? - e consiga identificar suas pinturas mais famosas e um estilo, sei pouco do que ele realmente pretendia expressar nelas. Mergulhei no seu universo com algo a que me apegar como "familiar" no meio de tanta estranheza. Formas humanas torturadas desconstruídas e solitárias em vastos cenários etéreos, com sombras, fantasmas, rochas e carne. Um mundo maior, mais rápido, que não tinha mais espaço para o clássico, para a forma, para o indivíduo, como devia parecer ao homem observando o desenrolar da primeira metade do século XX.

Minha impressão? Em cada quadro, eu recebi uma mensagem positiva: o homem oprimido pelos seus terrores pessoais expulsando seus demônios, libertando-se, ascendendo espiritualmente, negando-se a ser arrastado para a espiral de autodestruição niilista do mundo moderno. O homem que suprime seu ego, deixa de ser rocha e passa a ser diáfano. O homem que deixa seu terno e sua obrigação de trabalhar para alguém e fazer o que se espera dele para colecionar telefones verdes e vestir-se com fios de cobre. Ele salva Dom Quixote transformando-o também em matéria de sonho, unindo-o finalmente à sua Dulcinéia.

Extremamente inspirador.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Sugestões de viagem: Penedo, RJ

Aos amigos que me leem, e aos que eventualmente encontrarão este post via google, vão aí as minhas impressões e sugestões de Penedo, um dos lugares mais charmosos entre Rio de Janeiro e São Paulo.

Onde fica e como se chega lá?

Penedo é um distrito do município de Itatiaia, a meio caminho entre Rio e São Paulo. Fica a 15 minutos do posto Graal de Resende, pode ser acessado na altura do km 311 da Via Dutra. Trata-se de um vale aos pés da imponente Serra da Mantiqueira. Em meados do século XX, finlandeses chegaram à região e trouxeram língua, hábitos e cultura. A alta temporada é o inverno, quando a proximidade com a serra derruba a temperatura. Na verdade, em qualquer época, a alta temporada mesmo é toda semana, de quinta a domingo, quando todo o comércio funciona, principalmente nos fins de semana. De segunda a quinta é difícil achar algo além de restaurantes abertos e algumas lojas, mesmo assim nem todos.

Para quem vai de ônibus, a partir do Rio a viação Cidade do Aço tem ônibus diários em três horários, que fazem ponto final em frente à padaria Penepão, próximo ao centro. Quem vem de São Paulo precisa ir até Resende, onde pode optar por um ônibus intermunicipal que sai do próprio Graal para Penedo em intervalos de cerca de 30 minutos (custa R$3,05), ou tentar um taxi, já que nem é tão longe (15 minutos até o centro de Penedo).

Principais atrativos:

-A Casa do Papai Noel - os finlandeses exploram a mítica do seu conterrâneo famoso e criaram uma mini-cidade finlandesa - a Pequena Finlândia - com lojas, restaurantes e atividades, como um autorama gigante, em volta da Casa do Papai Noel propriamente dita, onde o velhinho recebe visitantes. Papai Noel, aliás, é onipresente na cidade.
-Fábricas de chocolate - não sei qual a relação entre a Finlândia e o chocolate, mas existem várias fábricas de chocolate caseiro e guloseimas baseadas em cacau.
-Night - quase todos os restaurantes abre à noite. Finlandês, português, mexicano, japonês, italiano, mineiro, caipira, churrascarias, fondues, peixes, vinhos, pizzarias, sorveterias, cafeterias, charutarias, com música e apresentações culturais; alguns fabricam suas próprias cervejas (ou comercializam cervejas locais). A night é badalada, atrai pessoas de Resende, e alguns hoteis na Serra de Itatiaia incluem a noite penedense na sua programação.
-Hotelaria - há opções de todo tipo de hospedagem em Penedo, pensões, pousadas, apart-hotéis e grandes hotéis com seus próprios centros de convenções. Consulte a localização do hotel e a sua conveniência - hotéis luxuosos serra acima podem não ser muito práticos para quem não estiver motorizado, já que quase todas as atrações estão no centro.
-Passeios - a cidade oferece passeios de carruagem, cavalo, quadriciclo, que exploram as estradas e trilhas que cortam as matas e chegam às cachoeiras. Uma caminhada "mainstream" é a do Pico do Penedinho, a 600 m de altura. Para se chegar à trilha é preciso pedir uma autorização na Casa do Chocolate, onde se pode obter todas as informações. Para crianças, idosos, sedentários e urbanos, um trenzinho faz um passeio de 1 hora pela cidade saindo da fábrica de chocolate próximo à cidade do Papai Noel. Esse passeio custa R$10,00
-Produtos típicos - além dos chocolates caseiros e cervejas, os doces, compotas, conservas, geleias e licores estão por toda a parte. Artigos de couro, retalhos, mantas e artesanatos diversos são lembranças favoritas da cidade.

O que eu vi:

Visitei Penedo entre terça e sexta-feira. É o período menos movimentado da cidade, então boa parte do comércio ficou fechado. Os restaurantes abrem para o almoço, mas deixam de oferecer o self-service depois das 14:00 - caso você seja da cidade grande onde vc encontra qualquer coisa a qualquer hora, isso pode te pegar desprevenido no primeiro dia. Mas à noite quase todos os estabelecimentos estão abertos, então o jantar é garantido. Em compensação, eu conheci o ritmo normal de Penedo, sem turistas barulhentos constrangendo os locais com uma atitude ruim (peguei isso na sexta de manhã...). Mas algumas atrações, como o Museu Finlandês, ficaram fechadas.

Fiquei hospedado no Hotel Casa Encantada. É um hotel pequeno na Av. Finlândia (um nome muito pomposo para uma estrada estreita e com calçamento ruim que começa e termina na Av. das Mangueiras, essa sim uma avenida), porém adequadamente equipado com piscina, piscina quente, sauna finlandesa, salas de convivência, restaurante, estacionamento próprio, TV a cabo, frigobar, lavanderia. Eles também estão preparados para eventos corporativos e congressos, e se colocam à disposição para, por exemplo, marcar o seu cabeleireiro. Os funcionários são atenciosos e gentis. Não se engane, a localização é excelente: está há cerca de 10 minutos de caminhada do ponto final do ônibus da Cidade do Aço, e a 50 metros de um ponto de ônibus na Av. das Mangueiras, próximo de todos os lugares bons do centro. Na esquina, inclusive, há um ponto de aluguel de quadriciclos, e na outra ponta da Av. Finlândia (curtinha, meça no google mapas), outro local para arranjar passeios a cavalo. O hotel fica à beira do Rio das Pedras. Ouve-se o barulho constante da água fluindo pelas pedras.

O ônibus que vai do Rio para Penedo para em frente à padaria Penepão. Se você pegou um ônibus das 11:05, deverá chegar ali ainda a tempo para o almoço. O Penepão oferece almoço, mas, ali ao lado, tem o Recanto do Achego, que serve o quilo mais em conta de Penedo, com comida simples tipo caseira, mais um churrasco bem feito. Aconselho muito bater um prato ali antes de ir ao hotel - o tempo de deslocamento, fazer o checkin, se acomodar, até finalmente sair para almoçar, pode te deixar na mão, porque o horário de almoço já terá terminado, e só alguns restaurantes continuarão aberto, mas nenhum self-service.

Outro lugar prático e barato de se comer, que abre a partir do final da tarde, é o Penedo Burgers, um trailler estacionado em frente à Pousada do Lago, que deve ser o único fast food que eu vi em Penedo. Boa variedade de sanduíches, bem servidos - cheese bacon? Tem o cheese, e tem o bacon. Aos sábados e domingos eles ficam abertos até as 5:00, sendo opção para quem sai da balada no Clave de Sol, a principal (talvez, a única?) boate, que eu não peguei aberta. A lanchonete, de quebra, está na rota de entrada de Penedo, então se vc chegar de carro lá pelas 17:00, pode parar ali para fazer um lanche antes de ir para seu hotel.

Sem buscar orientação local - uma característica minha quando vou a qualquer lugar :P - eu atirei e errei tentando acertar um bom fondue à noite. Fui a um restaurante chamado Aglio e Oglio, na Rua das Velas, onde eu sabia que servia fondue. Mas, já acomodado e com o cardápio na mão, fui informado que o rodízio de fondue - com pães, carnes e tudo mais - só é servido aos finais de semana. Mas eu havia lido uma recomendação na internet de um certo Filet Escandinavo, então apostei nele para não perder a viagem, pedi o prato para dois, pois assim o preço ($72,00, se não me engano) me pareceu razoável. A minha conclusão é de que Deus existe, e foi Ele quem criou este prato: a porção inclui um arroz com ervas e queijo, um tomate recheado com catupiry e gratinado, e dois bifes grelhados enormes de grossos completamente cobertos por fatias finas de alho e cogumelos. Talvez os melhores bifes que eu já provei, e falo isso com a propriedade de um carnívoro de 35 anos que se orgulha do próprio bife a ponto de se recusar a comê-lo na rua, e que já experimentou várias versões dos bifes das redes locais, como Outbacks e Stadiums da vida, e que a família desenvolveu suas próprias receitas indefectíveis de carne. Então engulam essa. E peçam mais.

Não fiz trilhas nem passeios a cavalo - até porque eles saem geralmente de quinta a domingo - mas circulei pela maior parte da cidade a pé. A Pequena Finlândia ficou quase toda fechada até sexta de manhã - com exceção da fábrica de chocolate local. A própria Casa do Papai Noel estava fechada, com um aviso na porta alegando problemas de saúde do bom velhinho (é sério, até gravei um vídeo explicando isso). Caminhei pela Av. Penedo, que sobe de maneira que se tem de lá uma bela visão do vale de Penedo, e além - o mar de morros ao sul, e a imponente Serra de Itatiaia ao norte. Nela também se encontra o Hotel do Papai Noel, o hotel mais famoso e mais imponente da região - uma grande construção em vermelho, que pode ser avistada de grande parte da cidade, principalmente à noite, quando fica toda iluminada.

Três lojas merecem menção especial:

Na From Penedo (num centro comercial na Av. das Mangueiras cujo site não encontrei, e é homônimo da empresa que oferece passeios turísticos a cavalo... e talvez seja a mesma) se vendem compotas e conservas, mas duas especialidades da loja viraram presentes para família e amigos: licores de fabricação própria de sabores tão variados como milho, avelãs, maracujá, e vários tipos de chocolate; e pastas de peixe. É, que estranho, eu pensei... mas a pasta de truta defumada me deixou de joelhos. Parece uma pasta de maionese, um patê, mas é feito com fécula de mandioca - sem maionese! - extremamente saborosa. Outras pastas - salmão defumado, e outros sabores sem peixes baseados em ervas e especiarias - são excelentes também. Esse tipo de pasta deve ser algo que os finlandeses inventaram, porque estavam à venda por toda a parte. Também comprei um provolone temperado, dentre os vários queijos disponíveis. O melhor? A proprietária oferece amostras de tudo que vc pedir. Inclusive dos licores.

Na Fábrica de Chocolate Joulupukin Suklaa, ao lado da Pequena Finlândia, e de onde sai o passeio de trenzinho, você compra chocolates por peso, ou por peça, e a média é R$9,00 por kg. O chocolate é feito na hora. E que chocolate! Ao leite, branco, meio amargo, com sabores, em diferentes formatos, trufas, todos espetaculares. Não avalie o preço com base no que vc encontra da Lacta nas Lojas Americanas, os chocolates daquela loja são melhores a ponto de te fazer crer que eles merecem mais o seu dinheiro do que você. Na quinta à noite tomei um chocolate quente cremoso ali que matou minha vontade.

Por último, numa loja no térreo do centro comercial bem ao lado do Aglio e Oglio, encontrei uma loja chamada Via Láctea. Uma loja de balas e doces, especializada em importados e retrô - você vai encontrar caixas das balas de Candy Crush fabricadas no México, e um baleiro old style cheio de toffees e balas Juquinha; chocolates importados e jujubas por quilo. É uma loja para crianças, aproveitando o apelo da cidade para as crianças, com toda essa história de Papai Noel e chocolates, mas com esse toque retrô que apela para os pais. A loja é decorada com brinquedos - do marido da dona, que até faz pendrives com Hot Wheels. Sabe o que é Pez? Se acha especial por conservar um seu da sua infância? Eles vendem toda a linha dos Simpsons, das princesas da Disney, do Angry Birds, do Toy Story.

A fábrica de chocolate mais famosa é a Casa do Chocolate, ainda perto da entrada da cidade. Mas cuidado: eles só aceitavam pagamento em cheque ou em dinheiro. Penedo não tem banco (que eu tenha visto) e o caixa eletrônico do Banco do Brasil não estava funcionando (havia um caixa 24 horas num mercado morro acima, bem longe dali), de maneira que fiquei de calça da mão quando fui tomar um sorvete (bom) no finzinho da viagem, quase na hora de embarcar e com toda a grana torrada, e minha esposa teve que usar o débito dela na caixa do Recanto do Achego para "sacar" dinheiro, já que também não dava para devolver o sorvete :P

De maneira geral, em todos os lugares onde eu fui, as pessoas me trataram com grande gentileza e atenção, não só no hotel, mas nas lojas e restaurantes, até na prosa no ponto de ônibus. Até por isso me doeu, já no final da estadia, ver turistas estabelecendo aquela conhecida relação patrão-empregado, como eu não pude evitar de dizer um pouco mais acima. Preciso voltar lá para ver e experimentar tudo o mais que Penedo tem a oferecer. Curti.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Perdão

Hoje de manhã, no seu perfil do Facebook, o Dalai Lama (ou quem administra isso pra ele) postou um link para o Tutu World Forgiveness Challenge, iniciativa do arcebispo Desmond Tutu onde ele propõe um mês de exercício do perdão como forma de crescimento e cura pessoal e social. Eu poderia ter ignorado, ou resmungado sobre como isso é hipócrita (e poderia ainda apontar o dedo para o livro que ele está vendendo no site), improdutivo ou inútil, ou como isso não me diz respeito.

Mas só a menção dessa iniciativa de espalhar o perdão como forma de tornar nossas vidas melhores me fez retornar a 9 anos atrás, quando experiências e reflexões sobre o sentido do perdão me fizeram publicar um texto sobre isso no meu antigo blog, precisamente no dia 22 de agosto de 2005. O blog, como todo o provedor, foi desativado em 2007, mas por muita sorte eu cheguei a copiar e enviar esse texto para uma antiga colega de trabalho naquele mesmo ano, e esse e-mail continua armazenado na minha pasta de enviados do gmail. Transcrevo-o aqui:

"Perdoar não é passar uma borracha sobre os erros do outro, sorrir e dizer que está tudo bem. Não é fingir que nada aconteceu e retomar a vida como era antes. Não é voltar para quem vacilou contigo como se nada tivesse acontecido.

O perdão é antes de tudo uma coisa que deve ser feita pra vc mesmo. Pq quando não há perdão, há mágoa, há azedume, há feridas abertas no coração que não se fecharão. Quando não há perdão, a raiva pelo erro do parceiro toma conta da sua vida, e vc precisa se esforçar horrores pra superar isso, e quase nunca consegue por completo. Perdoar é cicatrizar estas feridas. É dizer 'ok, mas não posso continuar assim, vamos ser felizes sem nos machucar, cada um ao seu modo, cada um na sua estrada'. Perdoar é trazer paz ao seu coração e permitir que ele esteja pronto para os próximos desafios sem que as mágoas do passado o tornem pesado e quebradiço.

Perdoar não é apagar os erros do passado para começar tudo de novo. É fechar as cicatrizes do seu coração e abrir caminho para vc continuar a sua própria vida em paz. É um ato de amor, pois vc tira o peso que o arrependimento traz sobre quem errou, pessoa esta que um dia lhe fez feliz... e é um ato de amor próprio, pq tb alivia o peso de uma grande decepção que não precisa estar sobre vc a menos que vc queira."

Ainda em 2005, uma mulher desconhecida me mandou um e-mail perguntando se ela poderia repostar este texto específico. Essa mulher se tornaria a minha esposa :^)

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Vindo para a "Cidade Grande" (sem sair da cidade)

A vida na civilização...

Eu nasci em Ipanema, na rabeira da rua Alberto de Campos, entrada do Morro do Cantagalo, e morei lá até os 5 anos e meio. Como eu só podia andar sozinho até a banca de jornal da esquina (meu primeiro "emprego"!), esse período não conta.

De lá, fomos para a Barra da Tijuca, num tempo em que se olhava ao longe e só se via dunas de areia branca, e o mar ao longe. Era, na época, a parte mais afastada da Barra; os shoppings, restaurantes, postos de gasolina, supermercados e centros comerciais que começavam a pipocar, estavam todos distantes demais para se ir a pé (o que, aliás, é o meio de transporte menos prático para a Barra, quem já se viu tendo que andar para ir de um lugar a outro por lá sabe bem disso). A padaria mais próxima (onde tb funcionava a locadora de filmes e games mais próxima) ficava a 15 minutos de casa. Em suma, só quando tinha um carro e alguém disposto a dirigí-lo era possível fazer as coisas do dia a dia - e já que estávamos de carro, não necessariamente essas tarefas eram realizadas na Barra.

Há 9 anos mudamos para a Ilha de Guaratiba, bairro relativamente isolado e desconhecido do resto da cidade, na zona rural do município. Sim, zona rural, na verdade, repartido entre o Parque Estadual da Pedra Branca e a Reserva Ambiental Rural de Guaratiba, com fazendas de gado, plantações de frutas, legumes, e plantas ornamentais, haras, sítios para festas, etc. Deve ser a utopia de qualquer neoliberal, porque ali o Estado é algo quase totalmente ausente - a urbanização se restringe a uma linha de postes de luz ao longo de uma estrada pavimentada há décadas, e os pontos de ônibus que continuam de pé foram erguidos no governo Chagas Freitas, quando governador do Estado da Guanabara! No início eu morava com meus pais numa casa grande e confortável, mas na área mais carente do bairro, onde vc olha para um lado da estrada, olha para o outro, e não vê sinal de atividade humana. Depois eu me mudei para outra casa menor, mais perto do "centro" do bairro, onde o "hot spot" era um mercado que vendia coisas de marcas bizarras que pareciam terem sido jogadas fora por outro mercado e vendidas a preço de Pão de Açúcar, basicamente pq era o único mercado dali. Quando me mudei, a Ilha contava com duas linhas de ônibus, mas a principal delas, que ligava o bairro à Barra - e permitia, com uma baldeação, chegar à Zona Sul e ao Centro, onde estão os empregos na cidade - deixou de circular quando foi inaugurado o BRT Transoeste. Hoje, o morador da Ilha que não tiver a sorte de morar perto de uma estação e/ou não puder se deslocar a pé, é obrigado a pegar o último ônibus que ainda resta só para sair do bairro e se virar para chegar a qualquer outro lugar. O meu itinerário de casa para o trabalho exigia 3 ônibus. Sendo o bairro carente de serviços - comprar um jornal exigia quase 40 minutos de caminhada - era muito difícil fazer qualquer coisa perto de casa, e muito difícil, por conta do transporte e do cansaço acumulado durante a semana pelas enormes distâncias percorridas, fazer qualquer coisa longe dela. Uma vida bastante reclusa. Sobreviver num lugar como a Ilha, onde não há emprego, serviços, onde até quem trabalha especificamente com entregas em domicílio não sabe se localizar, e onde qualquer coisa precisa ser feita a pelo menos dois ônibus de distância exige altos malabarismos e adaptações específicas, que, quando dominadas, induzem as pessoas da região a quererem permanecer ali e manter aquele estilo de vida precário, mas com o qual elas sabem lidar.

Enfim, findo o contrato de aluguel na Ilha, encontrei um apartamento no bairro de Lins de Vasconcelos, no Grande Méier, Zona Norte da cidade. É possível que quem não seja do Rio tenha ouvido esse nome, ou sobre as favelas do entorno, que a secretaria de segurança convencionou de chamar de "Complexo do Lins" em sua até agora fracassada tentativa de "pacificar" as comunidades. Eu não vou me deter muito a descrever o bairro nem o estilo de vida, mas para se ter uma ideia do quão roceiro eu me tornei morando em Guaratiba, vejam só as diferenças que eu tenho notado no estilo de vida e tem me deixado maravilhado (a despeito de problemas estruturais no meu prédio, que têm me aborrecido). Talvez algumas dessas coisas pareçam naturais a outras pessoas habituadas à vida urbana, mas talvez reparar nelas os faça valorizá-las um pouco mais:

- É possível ir a qualquer lugar da cidade (inclusive para a Ilha de Guaratiba) usando transporte público em menos de duas horas;
- Mesmo em se tratando de um bairro essencialmente residencial, apenas com pequenos comércios, é possível ir de lá até o grande centro comercial da região (a rua Dias da Cruz, no Méier) em 10 minutos a pé;
- É possível fazer compras num mercado limpo que não lhe venda legumes podres por preços malucos;
- É possível escolher esse mercado;
- É possível escolher entre ir a esses mercados ou a quaisquer lojas que vc queira que vendam os mesmos produtos - Casa & Video, Americanas, Casa do Biscoito, Mega Lar, etc.;
- É possível ir a um médico ou a um laboratório fazer exames sem precisar pegar duas conduções. Ou qualquer uma;
- A pé ainda é possível ir a uma loja da Light e outra da CEG;
- Existe gás encanado;
- Existe água encanada;
- A luz não acaba toda semana, nem nos dias mais quentes, nem nos mais chuvosos;
- As empresas que fazem entregas sabem localizar o meu endereço;
- Os taxistas sabem localizar o meu endereço;
- O carteiro sabe localizar o meu endereço;
- As pessoas que moram na minha rua sabem localizar o meu endereço;
- A viagem para o trabalho exige apenas dois ônibus, e dura cerca de 1:30, cerca de metade do que eu gastava antes em cada viagem...;
- ... e existe mais de uma rota possível e viável de casa para o trabalho;
- Tem mais de uma linha de ônibus passando pelo bairro, e eles passam em intervalos de, no máximo, 10 minutos um do outro;
- Existem lanchonetes pequenas, lanchonetes de grandes franquias, e restaurantes, e esses restaurantes não colocam preços para turistas estrangeiros no cardápio;
- Vc pode pedir pizza por telefone, e essa pizza chega em meia hora no máximo;
- Na esquina tem um hortifruti, uma padaria, uma farmácia, e uma viatura da PM;
- Todas as ruas são asfaltadas e possuem calçadas;
- Existem faculdades, cursos, e locais com atividades culturais, até de graça;
- Repito, calçadas!

Minha única reclamação é que as pessoas não dizem bom dia, obrigado, desculpe, boa noite e por favor. Exceto as meninas que trabalham na Rainha do Méier (uma padaria) e as duas bichinhas crackudas que passam as noites num beco perto de casa.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Purple Day - o dia internacional de consciência da epilepsia

Hoje foi um dia aborrecido. Eu me mudei (matéria para futuro post, "como é viver onde as outras pessoas normais vivem"), vim para a civilização, mas aparentemente o apartamento tem alguns problemas estruturais que eu tenho que resolver, e isso me toma tempo, e me obriga a escolher entre resolvê-los e trabalhar. Por isso, não resolvê-los é muito frustrante.

Aí me deparei com um post de um contato meu do Faceburguer nos EUA, divulgando o Purple Day, celebrado todo dia 26 de março para difundir o conhecimento sobre a epilepsia. Como eu nunca usei meu blog - nem o presente, nem os passados - para falar sobre isso, achei que seria adequado, e uma forma de fazer a minha parte neste dia, falar sobre epilepsia.

-Epilepsia-

Epilepsia é o nome para um amplo espectro de doenças, que se caracterizam por convulsões frequentes. Uma convulsão isolada não caracteriza epilepsia - um trauma na cabeça pode desencadear uma convulsão. As próprias convulsões, dependendo da parte afetada do cérebro, podem se apresentar de maneiras distintas de acordo com a síndrome apresentada por cada paciente, mas são geralmente movimentos involuntários de uma parte ou todo o corpo, podendo haver perda de consciência, mas pode se manifestar como ausências (episódios em que o paciente parece "desligar" por alguns segundos e deixa de responder a estímulos) ou distúrbios sensoriais (na forma de alucinações visuais, auditivas ou olfativas). A epilepsia e as doenças associadas não são contagiosas, então o paciente não precisa ser isolado durante o tratamento. Tampouco a epilepsia é sinal de loucura, intervenção divina ou demoníaca (motivo pelo qual epilépticos tiveram vida dura até fins do século XX). São doenças que tem tratamento se diagnosticadas corretamente por um neurologista.

-Meu caso-

Eu sou epiléptico. Comecei a ter convulsões localizadas na face seguidas de paralisia facial e lingual depois dos 5 anos de idade. A causa era uma inflamação no lado esquerdo do cérebro de origem genética, possivelmente caracterizando a Epilepsia Rolândica, ou Epilepsia Benigna com Pontas Centro-Temporais, pois é como ela se apresenta nos encefalogramas.

O meu tipo de epilepsia é o mais comum, e atinge crianças entre 5 e 15 anos, um pouco mais, um pouco menos. Depois de um tempo, ela deixa de se manifestar naturalmente. Mas como ela está impressa no código genético, pode ser transmitida para a geração seguinte. Os casos são muito numerosos e os sintomas variam bastante. No meu caso, incluía, nessa ordem:

-Alterações sensoriais, como zumbido no ouvido e desorientação;
-Perda de controle dos músculos faciais e da fala;
-Forte contração dos músculos faciais (a boca abria como num longo bocejo, mas com espasmos locais);
-Hipersalivação;
-Dificuldade de controle da respiração;
-Perda do controle motor mais fino nas mãos;
-A crise durava talvez cerca de um minuto. Durante a recuperação, os sentidos voltam ao normal rapidamente. É possível andar e gesticular normalmente imediatamente;
-A recuperação dos movimentos da face, da língua, e a capacidade de articular a fala demorava alguns minutos, talvez meia hora;
-As crises aconteciam geralmente à tarde ou à noite (como eu estudava de manhã, apenas uma ou duas vezes tive crises na escola);
-Eu ficava consciente durante todo o processo. É provável que acontecesse durante o sono. É impossível dizer, porque se acontecesse no meio da noite eu acordaria de manhã sem sequelas.

Nos eletroencefalogramas, eu apresentava regiões com picos muito densos ocorrendo de maneira irregular. Uma vez tive uma convulsão enquanto esperava para entrar na sala do exame, o que deve ter tornado o diagnóstico bem claro daquela vez :P

Este tipo de epilepsia é benigno, ou seja, não causa sequelas nem comorbidades, e normalmente não está associada a outras patologias. Os pacientes tem um desenvolvimento motor e mental sem diferenças notáveis para pessoas sem essa condição. Eu mesmo consegui manter um bom nível de aprendizado na escola, pratiquei esportes, joguei muito video game (mais do que pratiquei esportes) e levei uma infância relativamente normal. Mas para controlar as convulsões e manter o paciente confortável numa fase tão delicada da vida, é preciso o uso de medicamentos anticonvulsivos. No meu tempo de criança, os médicos ainda cogitavam a lobotomia como forma de "curar" a doença, e os remédios que eu tomava me deixavam aéreo e sonolento. O remédio ao qual me adaptei melhor se chamava Epelim, uma cápsula vermelha e branca tomada duas vezes ao dia. O conhecimento das diferentes epilepsias aumentou muito. Sabe aquela coisa que as avós dizem, que "antes ninguém tinha doença, hoje todo mundo tem alguma coisa"? Isso ajuda no diagnóstico e tratamento mais adequado para cada caso. O acompanhamento psicológico também é fundamental, porque a depressão bate à porta o tempo inteiro (olhando retrospectivamente, eu associo minhas dificuldades de relacionamento interpessoal ao meu medo de alguém me ver ou descobrir que era epiléptico, mas de tudo que eu lembro, a única lembrança que eu não tenho é justamente como eu processava emocionalmente a minha condição).

Quando cheguei aos 13 anos, as crises já não ocorriam fazia meses, mesmo eu deixando de tomar remédio um dia ou outro, e os exames apareciam normais. Fui à neuropediatra que me acompanhou desde o início apresentar os últimos resultados, e ela me disse que eu tinha 70% de chances de nunca mais ter uma convulsão, desde que eu cuidasse da minha saúde e tomasse algumas precauções - evitar bebidas e drogas principalmente - e disse que, se eu concordasse, ela poderia me dar alta. Lembro que naquele dia específico minha mãe não pôde me acompanhar, então foi a primeira decisão importante que eu tomei por conta própria. E dali em diante, isso deixou de ser uma preocupação para mim.

A Epilepsia Rolândica é a forma mais comum e mais branda de epilepsia. Há outros tipos, com diversas origens - genéticas, lesões no cérebro, doenças infecciosas, problemas metabólicos, traumas, tumores, má formação do encéfalo - com sintomas e efeitos diversos, como espasmos no corpo inteiro ou específicos em determinadas regiões, ausências, distúrbios sensoriais, com prognósticos que variam desde uma vida normal e saudável até sérias limitações cognitivas e motoras, e morte.

-Síndrome de West-

Eu gostaria também de falar sobre um outro caso diferente do meu, por causa da sutileza com que ele pode se apresentar, e do extremo cuidado que se deve ter para identifica-lo o mais cedo possível e iniciar tão logo o tratamento para atenuar suas sequelas.

Meu sobrinho, aos 3 meses, começou a sofrer episódios de contração súbita dos braços e pernas. Como um bebê, ele ficava deitado de braços e pernas abertas, e de repente os levava para frente, como se tentasse um abraço. Às vezes pode ser vista contração dos músculos do tórax e abdômem, revirar de olhos, e movimentos para trás com a cabeça. O bebê não chora e não produz som durante ou depois da crise, e tudo dura poucos segundos. É algo difícil de se identificar para quem não estiver muito atento. Esses movimentos são involuntários e pode ocorrer várias vezes ao dia. São os chamados Espasmos Infantis, o tipo de convulsão característica da Síndrome de West.

A Síndrome de West é uma comorbidade associada a outras doenças ou má formações neurológicas. É rara, e mais ou menos 90% dos pacientes apresentam graves lesões cerebrais pré-natais ou desenvolvidas por predisposição genética nos primeiros meses de vida, como a formação de tumores, microencefalia, atrofia cerebral, paralisia cerebral, não formação de corpo caloso (a estrutura que une os dois hemisférios cerebrais). Ou pode ser críptica, apresentando-se na forma de espasmos clônicos sem uma causa determinável. Por causa das lesões às quais está associada, a Síndrome de West tem um prognóstico muito pessimista: se a comorbidade não for letal, ela será extremamente incapacitante, levando a um baixo desenvolvimento intelectual, cognitivo e motor. Existem remédios que ajudam a controlar as convulsões e tratamentos (fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, etc.) para atenuar as sequelas psicomotoras, mas não há cura.

O caso do meu sobrinho foi investigado bem cedo. Um ponto nos deixou otimistas: nos eletros, ele não apresentava o quadro típico de West causado por lesões cerebrais, que são linhas em forma de ondas em contraste com os picos de um cérebro com atividade normal (quadro conhecido como hipsarritmia). Tratava-se então de uma Síndrome de West de origem críptica - ou seja, não causada por lesões cerebrais, mas com alguma outra causa sistêmica. Então minha irmã passou a dar atenção à alimentação dele e dela para tentar identificar alguma causa metabólica, enquanto ele tomava remédios fortes que o deixavam quase inerte. Ela tateou no escuro com os médicos até que foi detectado um cisto no cérebro dele, aparentemente benigno, mas que pode ter desencadeado o quadro.

Depois de alguns meses, ele parou de sofrer convulsões, o que também foi animador, pois na Síndrome de West não existe previsão para o fim das crises. No entanto, houve algum atraso no desenvolvimento motor. Com 1 ano e 4 meses, ele não consegue ficar em pé sem apoio, e caminha com ajuda de órteses nos tornozelos e um andador. Ele não tem firmeza nos tornozelos e não tem força necessária nos quadris para andar sozinho. Faz fisioterapia (que o ajudou a coordenar os movimentos dos braços, que também estavam prejudicados no início), psicomotricidade, e musicoterapia, além de frequentar uma escolinha onde ele é estimulado a interagir com outras crianças. Felizmente, por Deus, essa é toda a sequela que ele teve, dado o quadro arrasador que a Síndrome de West tipicamente produz. Ele tem o desenvolvimento cognitivo e intelectual aparentemente normais, é muito ativo, demonstra emoções, interage com as pessoas e as convida para brincar, é carinhoso com a cachorra da casa (e vice versa).

-Para saber mais (não esqueçam de checar as referências no final das páginas, para maior aprofundamento)-

-Epilepsia (Wikipédia inglesa)
-Lista de síndromes epilépticas (Wikipédia inglesa)
-Purple Day - iniciativa para a divulgação do conhecimento sobre epilepsia. Você pode participar ativamente
-Manual (em inglês) para o conhecimento, diagnóstico e tratamento dos diversos tipos de epilepsia
-Epilepsia.pt, site porutugês sobre epilepsia
-Artigo do Dr. Drauzio Varella sobre epilepsia, um tanto superficial, mas as recomendações são extremamente úteis
-Associação Brasileira de Epilepsia

quinta-feira, 6 de março de 2014

Somos um Rio de lixo

A greve dos garis do Rio em pleno carnaval é uma oportunidade de ouro para todos nós aprendermos algumas lições muito importantes, uma sobre responsabilidade social, e outras duas sobre relações de classe aqui na nossa cidade:

1- Quando somos crianças, mamãe e papai fazem tudo por nós até termos idade e discernimento para assumir essas responsabilidades. Enquanto crescemos, somos lentamente abraçados pelo Estado, que nos oferece serviços em troca de impostos. Mas, sem medo de errar com uma generalização, a grande maioria aceita os serviços oferecidos em troca da sua responsabilidade pessoal pelos impactos que ela causa no lugar onde ela vive. Porque é diferente a maneira como uma pessoa que depende de um poço artesiano lidar com a questão da água (inclusive com a questão da limpeza da água) e a maneira que alguém que sempre teve serviço de água encanada em casa. O primeiro dificilmente será visto lavando a calçada com a mangueira porque entende que o seu suprimento de água é limitado - como também é o do que tem água encanada, mas ele nunca sente, até que começa a faltar água no sistema, quando então ele responsabiliza a empresa. A mesma coisa acontece com a maneira como lidamos com lixo. Tem uma empresa lá que recolhe o lixo, então o máximo que a maioria se dá ao trabalho de fazer é juntar tudo em sacos e deixar na porta de casa. Tem garis varrendo a rua, então pra que se preocupar com um papelzinho amassado? Mas não há nada que nos impeça de produzir mais lixo do que o necessário, de desperdiçar comida, de jogar fora material próprio para adubo orgânico, de usar objetos descartáveis em detrimento de itens reutilizáveis equivalentes (que precisam ser lavados ou sofrer qualquer tipo de manutenção), de não se importar em separar materiais recicláveis para serem entregues nos locais adequados. Enfim, junta-se tudo num saco que será esmagado por um caminhão e desaparecerá de vista, junto com o problema. Vi num artigo que, em Fortaleza, em 12/2012, cada pessoa produziu em média quase 2 kg de lixo por dia (não contando seus excrementos). Eu sei que eu produzo menos de 1 kg nos três dias entre as coletas de sexta e segunda feiras, e que há outros como eu, então se essa é a média, a coisa é muito grave. A questão do lixo não é só uma questão de limpeza, porque todo esse lixo precisou ser produzido um dia, e consumiu recursos naturais não renováveis e energia para isso, e está sendo devolvido à natureza na forma de detritos que não se decompõe e em contaminantes da água e da atmosfera. E tudo isso porque perdemos (ou nunca tivemos!) o nosso senso de responsabilidade pelo que consumimos e pelo que é feito com o que deixamos para trás. É menos uma questão de instrução formal, porque os mais ricos e com mais formação produzem mais lixo, mas mais uma questão de educação, no sentido de formar pessoas que sabem que estão integradas a uma sociedade, e que tudo que elas fazem produz reflexos que afetam as suas próprias vidas, inclusive essa necessidade voraz de consumir o que não é necessário, porque é isso que significa bem estar e progresso.

Para não dizer que estou mergulhando no comunismo utópico, vou dar o exemplo da Tóquio capitalista para mostrar que, embora esta sociedade seja terrivelmente consumista, a questão do lixo urbano e da noção do impacto pessoal de cada um no meio ambiente pode afetar positivamente a qualidade de vida para todos. E é necessário que isso aconteça aqui também.

2- Muitas pessoas devem estar se dando conta pela primeira vez da importância do profissional de limpeza urbana para o bem estar social. Muitas pessoas, especificamente dos bairros mais ricos e estruturados, onde o serviço de coleta de lixo é habitual, porque nas favelas que o Estado abandonou (e onde, ironicamente, a maioria dos garis é forçada a morar, dado o seu salário), isso é sentido há muito tempo. Esse profissional é tão importante quanto o policial, o tabelião, o legislador e o juiz, porque a ausência qualquer um deles impossibilita o funcionamento de toda a sociedade no sistema em que vivemos. Mas quando você deu bom dia para o gari que estava varrendo a rua na sua frente e o tratou por "senhor" ou "senhora", ou quando você viu uma prefeitura pagando ao gari o equivalente a outros profissionais da área administrativa com a mesma escolaridade e sob a mesma carga horária? Não raro, o gari é uma figura desumanizada, numa função indigna e degradante, associado inconscientemente à sujeira (que você produziu e ele está limpando), precisamente como tratamos os catadores de material reciclável, que são vistos como mendigos puxando carroças - um primo meu, que se envolveu em projetos com catadores, que o diga. É uma oportunidade para avaliarmos o grau de distorção da nossa percepção desses pessoas em níveis pessoais, profissionais, e do seu papel na sociedade. E de mudar isso.

3- Parecido com o item anterior, mas um pouco mais grave que eu prefiro não generalizar, porque quero acreditar que isso não é tão difundido - mas que a prefeitura deixou transparecer de forma que foi a primeira coisa que me revoltou nesse episódio todo e me fez tomar posição em favor dos garis: a percepção da função social do gari, como alguém que está na obrigação de recolher tudo que você joga fora. "Obrigação", não porque este é o trabalho para o qual eles se dispuseram a fazer, mas porque é seu direito jogar o lixo que quiser e onde der na telha. Afinal, você paga impostos, e paga também o salário do gari (como se ele não os pagasse também). A prefeitura atual parece entender dessa forma. Ao paralisar os trabalho, primeiro garis em passeata foram recebidos pelas forças policiais como habituais perturbadores da ordem - com balas de borracha e gás lacrimogênio. Depois, quando sua greve foi considerada ilegal pela justiça, 300 garis grevistas, sobretudo os responsáveis pela limpeza das regiões da cidade com maior atividade durante o carnaval, foram avisados a comparecer à sede da empresa para tratar da sua demissão - decisão revogada ontem. E os que estão na ativa estão escoltados por agentes e veículos da Guarda Municipal, que se certifica de que eles realizarão o trabalho que lhes for determinado. Os garis pleiteiam, entre outras, reparações de perdas salariais das duas últimas gestões municipais, reajuste no vale refeição, e um plano de saúde confiável que tenha uma rede que atenda a cidade como um todo e tenha como atendê-los no que for necessário. Você pode imaginar a pessoa que limpa as coisas de que você tem nojo sem plano de saúde? E, mais uma vez, ao invés de atender a reivindicações, o Estado escolhe se colocar como antagonista da classe, como se a cada greve fracassada ou manifestação debelada ele ganhasse um troféu. E, ao invés disso, descarta os profissionais que estão dentro do seu direito legítimo de reivindicação, e os demais são obrigados a trabalhar sob a vigilância de capatazes. Isso expõe uma relação de poder que era mais comum de se ver antes de 1888.

Mas ainda bem que esta greve aconteceu, e aconteceu no momento e local em que causa maior transtorno para a cidade. Para olharmos as montanhas de lixo, que é nosso, e entender que fomos nós que fizemos isso.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O paradoxo da Mulher Maravilha

A Mulher Maravilha tem um avião invisível. No entanto, quando ela está dentro dele, ela continua visível. O que torna o avião invisível mais inútil do que um visível, porque, além de qualquer um saber onde ele está (porque sua piloto aparece como uma mulher de calcinha de estrelinhas voando de cócoras no céu), se ele fosse visível ao menos ninguém saberia se a Mulher Maravilha está pilotando aquele avião, ou qualquer outro. Vamos ignorar o grande gênio multimilionário que criou o avião invisível pra ela e ir para a segunda questão.

Admitindo que, havendo realmente um avião invisível os seus ocupantes também ficariam invisíveis dentro da fuselagem, e que a Mulher Maravilha continua visível enquanto pilota, considero duas hipóteses:

1- O avião é realmente capaz de tornar os seus ocupantes invisíveis, porém, dentre os muitos poderes da Mulher Maravilha, um deles é o de nunca ficar invisível. O que seria extremamente inconveniente, principalmente para alguém que fez todo o caminho para ter um avião invisível;

2- A Mulher Maravilha, dentre esses super poderes, sabe voar. E é esquizofrênica. Então, quando os super heróis se despedem ao final de uma missão bem sucedida, o Super Homem ergue os braços e sai voando, o Batman entra no seu Batmóvel e sai rodando, e a Mulher Maravilha faz como se estivesse entrando no seu avião imaginário, fica de cócoras e voa com impulso próprio. De cócoras. Talvez ela faça até os barulhinhos com a boca. Isso também explica porque ela sempre sabe onde está o avião invisível. Um problema dessa hipótese é que ela nunca poderia oferecer carona a algum super herói incapaz de voar (que também entraria na onda para não estragar a ilusão, afinal, é a mulher mais forte do mundo e psicologicamente perturbada). Talvez ela consiga fazer conexões wireless...
 
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