quarta-feira, 23 de março de 2016

Viagem a Londres I: Custos de vida

Enquanto estava em Londres, observando os preços das coisas, eu ponderei em um post do facebook (e este texto aqui é basicamente o post que eu publiquei lá uma semana depois) que possivelmente existisse uma espécie de proporcionalidade entre os valores de lá e daqui, desconsiderando a diferença de câmbio. Por exemplo, que um almoço bem servido lá, que custa de 12 a 15 libras, equivaleria a um PF bem feito num restaurante sem estrelas daqui, algo em torno de 15 reais. E que, extrapolando para o resto das coisas, uma pessoa que vive com 2000 reais de salário aqui teria, nessa teoria, um padrão de vida similar a alguém que ganhe 2000 libras por mês lá. Porém, essa tese foi construída de suposições sobre suposições, sem qualquer fundamento teórico nem pesquisa.

Bom, quando cheguei no Brasil eu fiz alguma pesquisa.

Existem dois pontos que os neoliberais insistem que são fundamentais para aquecer a economia e proporcionar bem estar social (ou o que quer que eles entendam por isso) e igualdade de oportunidades: o enfraquecimento ou abolição do salário mínimo, que onera as folhas de pagamento, e a carga tributária embutida nos preços dos produtos. Sazonalmente eu vejo insinuações de que o estabelecimento por lei de um valor mínimo para os salário desflexibiliza as relações de trabalho e obrigam o empregador a pagar mais do que um serviço deveria custar, onerando a produção e restringindo sua capacidade de absorção de mão de obra, além de aumentar os custos com o funcionalismo público, cujos salários são calculados na base do salário mínimo e, em tese, reajustados automaticamente. E, com muito mais frequência, vejo a carga tributária brasileira ser pendurada na cruz como a razão pela qual pagamos preços de imóveis pelos carros, e de viagens à lua pelos imóveis, além de preços altos de bens de consumo e alimentos em relação ao que se vê no exterior.

Bom, os dois dados que eu pesquisei a respeito no Reino Unido embaralham muito essa argumentação.

Naquele país os salários não são mensais (embora possam ser pagos mensalmente de acordo com as conveniências de ambas as partes). Lá paga-se por hora trabalhada. Mas existe um salário mínimo por hora (e também por idade), que atualmente é de 6,7 libras esterlinas. Uma pessoa acima de 21 anos que trabalhe 40 horas por semana receberá ao final do mês pelo menos 1072 libras. Mil e setenta e duas libras, obrigatoriamente, enquanto no Brasil o salário mínimo está em R$ 880,00. Isso também quebra a minha tese da proporcionalidade: um assalariado britânico recebe mais dinheirinhos do que um brasileiro.

Vamos para o custo de vida. Não vou entrar no mérito do valor dos imóveis, dos aluguéis, e das taxas de luz, água, gás, etc, porque não vivenciei nem estudei isso. Tenho a informação de que, aí sim, existe uma proporcionalidade dos valores entre Londres e Rio (duas das capitais reconhecidamente mais caras do mundo, no valor da terra). Tipo, um imóvel que custe 1000 reais por mês de aluguel no Rio seria semelhante em estrutura e localização a um imóvel de 1000 libras mensais em Londres. Mas isso é informação de boca a boca com quem estava morando lá. Nesse aspecto, um assalariado britânico, de qualquer maneira, está mais bem aparado financeiramente para escolher um imóvel adequado às suas necessidades do que um carioca. Além das óbvias e grosseiras diferenças na qualidade de vida na periferia londrina em relação à periferia (que é social, não geográfica) da capital fluminense (só para se ter uma ideia, 1000 reais é o valor de um apartamento de 50m² e 2 quartos no bairro de Lins de Vasconcelos, onde os tiroteios são cortesia).

Passo então para o custo de alimentos e bens de consumo. Nos hortifrutis dos supermercados, frutas, legumes e verduras, que nesta época do ano são basicamente importados, valem centavos por quilo. Centavos. Pence, na verdade. Bananas importadas do Equador ou do raio que o parta valem centavos. Preço de banana, literalmente. Veja no hortifruti da sua rua quanto está o quilo da banana (no Rio, a banana mais barata quase sempre é a banana d'água). Alimentos industrializados e bebidas custam, ao assalariado londrino que chega ao fim do mês com quase 1100 libras na conta, 1, 2, 3 libras cada item. Existem lojas inteiras de artigos para casa, banheiro, e comida por 1 libra, os pound shops. Entendam, não são lojas com coisas a partir de 1 libra, como as lojas daqui de 1,99, em que tem tudo *a partir de* 1,99. Lá 1 libra é o preço de 100% dos artigos, nada a mais, nada a menos, e ali você já pode se abastecer razoavelmente. Um amigo meu comprou uma cerveja belga por 2,99 num supermercado, a mesma cerveja que no Rio custa quase 70 reais. Entrei numa loja da Apple e comprei um cabo por 15 libras, o mesmo cabo que no Brasil pode chegar a 95 reais. Nessa loja, na opulenta Regent Street (a Oscar Freire de lá), encontrei um BB-8, o novo droid da série Star Wars em miniatura, que rola, faz barulhos, reclama e etc. controlado por um aplicativo para i-phones e i-pads. Ele custava pouco mais de 100 libras. No Brasil ele está chegando por 3000 reais.

A reação imediata que você teve é "ah, nós pagamos absurdos de impostos, por isso tudo é sempre mais caro". E aí entra minha segunda pesquisa rápida. No Brasil, os impostos cobrados sobre toda a riqueza produzida no país, ou seja, a porcentagem média acrescida ao valor final de qualquer produto no mercado nacional era, em 2012, de 34,4%. É alto. Nos EUA, por exemplo, esse valor chega a 26,9%, e eles acham isso tão absurdo quanto pagar o imposto do chá ao rei da Inglaterra, e em mercados mais competitivos, como Taiwan, é de 12,4%. Só que no Reino Unido a carga tributária é de 39%, e ainda é mais baixa do que em países como Holanda, Itália, França e Dinamarca (onde isso chega a quase 50%!). Nem considerando os impostos sobre importações, NÃO EXISTE IMPOSTO SUFICIENTE que justifique que algo que custa (no valor do varejo!) 550 reais ir para a loja por 3000, ou uma cerveja que custe (no varejo!) 17 reais ser vendida por 70, ou um toblerone de 400 g de 1 libra por R$30. Se eu, pessoa física, comprasse essas coisas lá e vendesse pela metade do que elas valem aqui, eu já teria um lucro estupidamente alto! Mesmo pagando imposto!

Então quando vc paga 3000 reais num brinquedo que vale 6 vezes menos, você está sendo feito de trouxa. E não é pelo governo, cujos impostos jamais alcançam 300% do valor original de qualquer coisa. Nem na Dinamarca! O chamado "custo Brasil" não tem a ver com governo nem com política. Então, você que reclama do governo pq seu Playstation custa 4 mil reais, ou aquela metade de carro da Mercedes que custa 50 mil, ou que vc está pagando quase 30 mil por uma versão nacional bosta de um Chery QQ quando o importado da China completo valia menos de 20, você está sendo feito de trouxa duas vezes: a primeira quando paga esse valor, e a segunda quando quem está roubando você na sua cara te convence de que a culpa é do governo.

Se quer reclamar sobre os impostos, faça como eu e os milhões que estavam nas ruas em 2013 e você sorria quando a polícia baixava o cacete em cima: exija o retorno em serviços públicos do que é pago. Agora, quanto ao preço justo das coisas, pense que o objetivo de vida dos neoliberais é ver a iniciativa privada ainda mais desregularizada, e boa sorte nesse mundo aí.

terça-feira, 1 de março de 2016

O caminho

Alguns aspectos das nossas personalidades são inatos, produto de maneiras muito particulares pelas quais as nossas redes neuronais foram construídas desde a concepção. Muitos outros são derivações conscientes ou semi-conscientes desses estados primitivos, quando refletimos sobre nossas atitudes e reações, e como somos percebidos pelos outros. E um pouco, são realmente escolhas que fazemos para nossas vidas.

Então, se eu for traçar uma sequência coerente para definir quem eu sou, eu teria que começar por dizer que nasci epiléptico, que isso perturbou um pouco a minha auto-confiança nas minhas relações interpessoais desde a infância, que isso me levou a cultivar um estilo de vida fundamentalmente individualista e emocionalmente independente (embora não necessariamente maduro :^P), que me levou, eventualmente, a mergulhar em processos de auto conhecimento, que me levaram ao taoísmo, e me levaram ao anarco-pacifismo.

A perturbação da minha auto-confiança num período formativo, como a infância, determinou que eu me tornasse muito tímido. E ainda sou. É uma timidez que me limita severamente em situações em que preciso lidar com outras pessoas, particularmente pessoas desconhecidas. Essa insegurança resulta em um loop interminável de questionamentos e pré-julgamentos, que geram uma ansiedade que pode beirar ao pânico, e que me impede de dar um passo diante de situações simples. Uma solução que encontrei, já na vida adulta, foi suprimir essa intelectualização (o processo de questionamentos e pré-julgamentos de mim mesmo) e agir por impulso. Claro que agir meramente por impulso é perigoso, porque isso desconsidera o risco e as possíveis consequências de cada ação. É aí que entra o taoísmo.

O taoísmo consiste, na sua coluna vertebral, em compreender as forças (físicas, se lhes aprouver) que regem o universo; compreender que cada ação, cada pensamento ou palavra dita reverberam pelo universo. E que existe um fluxo de energia e matéria que segue uma ordem inexorável, contra qual a luta, infrutífera pela finitude da existência humana, nos leva à frustração e ao sofrimento. Que o Tao - palavra que acolhe diversas traduções possíveis, como "caminho", "paz", "estrada", "correção", "deus", "estreiteza", "maneira", etc. - não opera todas essas forças por vontade, plano ou julgamento, características limitadoramente humanas. O Tao é o que é, e faz o que faz, porque não existe outra maneira.

Para seguir o Caminho, o taoísta é encorajado a seguir o exemplo do Tao e suprimir seu ego a ponto de poder ver, ouvir e sentir além de si mesmo, pois assim ele pode agir em consonância com o que se desenrola á sua volta. É aí que ele me encontra.

Nos últimos dois meses eu estive ocupado com uma viagem a Londres com alguns colegas de trabalho. Sobre a viagem em si eu falo em outro post. Mas enquanto me preparava, fiquei levantando informações sobre lugares para se ver, meios de transporte, a logística toda para que todo mundo pudesse aproveitar o que mais gosta na cidade. Logo de início eu os alertei: quando eu viajo, a única coisa que eu sei é quando e como ir embora; o resto sai no improviso. Alguns colegas até procuraram entender como alguém que trabalha metodicamente com eles (sou seu supervisor!) tem uma atitude tão aleatória e impulsiva.

Eu tenho esse comportamento errático quando estou em perfeita calma. "Errático" é, na verdade, quando eu estou seguindo o fluxo das coisas, quando estou calmo, quando suprimi meu ego e parei de "encucar" com meus problemas. É assim que alguém com um histórico de vida de constrangimento em público consegue palestrar para audiências de duzentas pessoas, representar, enfiar-se numa multidão em protesto (pânico de multidões é outro problema grave!) ou desembaraçar-se num país estrangeiro e numa língua que nunca de fato praticou (leio e escrevo inglês com naturalidade, mas nunca exercitei meu "conversation").
 
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