quinta-feira, 21 de abril de 2016

Viagem a Londres II: Turismo!

Eu estive em Londres por 8 dias na última semana de fevereiro. A cidade me trouxe percepções sobre sociedade e economia que eu destrinchei num primeiro momento. Agora me sinto à vontade para falar de amenidades :)

Em primeiro lugar, essa viagem foi um convite do Jardim Botânico Real de Kew, parceiro do Jardim Botânico do Rio de Janeiro no projeto Reflora. Eles convidaram parte da equipe que trabalha no repatriamento das plantas coletadas no Brasil nos séculos XVIII, XIX e início do século XX e armazenadas no herbário de Kew (o repatriamento é digital, recebemos imagens desses exemplares em alta resolução, transcrevemos os dados de etiqueta, e disponibilizamos ambos num Herbário Virtual). É um trabalho grandioso que vem sendo feito com Kew desde 2012 (também existem outras parceiras, como o Museu de História Natural de Paris, o Museu de História Natural de Viena, Jardim Botânico de Nova Iorque, do Missouri, o Instituto Smithsonian, o Museu Real de Estocolmo, e mais de 30 herbários brasileiros). Como o convênio com Kew estava no fim, eles nos chamaram para apresentar o seu Jardim Botânico, toda a sua estrutura de pesquisa, o herbário, como eles operam a parte deles do repatriamento, e participar de oficinas para discutir os acertos, erros, e soluções e oportunidades apresentadas. Também participamos da edição de um belo livreto, cujo PDF ainda não está disponível (edição de 26/06: Agora está!.)

Após o convite oficial, eu me encarreguei de selecionar alguns dos nossos bolsistas que tiveram envolvimento com as diferentes fases do projeto. São bolsistas que estão há muitos anos com o Reflora (dois deles desde o dia 1), e que na maior parte do tempo viviam com uma bolsa de R$550,00, que nunca foi reajustada. Pensei que essa oportunidade seria uma forma de reconhecimento pelo empenho e dedicação ao trabalho - se verba para a ciência é algo tão extraterrestre no Brasil, reconhecimento pelo trabalho neste campo é algo que muitos nem acreditam que exista, especialmente para bolsistas, que são a classe mais baixa do mercado de trabalho e relegada pelos próprios cientistas. Eu teria ficado feliz se outros bolsistas que não estão mais entre nós também tivessem ido, por igual merecimento, mas só podia ir a equipe atual.

Recebemos diárias generosas, e negociei um hotel peculiarmente confortável e barato (So London Apartments Hammersmith), no bairro de Hammersmith, a meio caminho entre Richmond, onde fica Kew, e o centro de Londres, a 50 metros de duas estações (e 4 linhas) de metrô e um terminal de ônibus. Eu não poderia ter escolhido melhor! Preparei para o grupo e para mim uma lista de atividades que poderiam ser feitas nas horas livres, levando em consideração o dinheiro que teríamos economizando na hospedagem, nossa localização, horários de funcionamento das coisas, meios de transporte, etc.. Me preparei como um verdadeiro guia turístico local!


Preparativos:

Antes disso, o primeiro passo foi providenciar o passaporte. Eu nunca viajei ao exterior, então tive que fazer tudo do zero. A Polícia Federal funciona melhor do que a encomenda: do prazo de seis dias úteis da entrega de documentos até a entrega do passaporte, eles o fizeram em três. Sem fila (provavelmente por causa do posto em si, embora fique num shopping num bairro nobre onde acredito que todo mundo viaje regularmente e requisite o posto o tempo todo). O Reino Unido não exige visto, ele é concedido na chegada ao país. Você preenche um formulário no próprio avião, dando sua identificação, sua origem, tempo e local de estadia, motivo da viagem, e um telefone de referência. Via de regra, a imigração britânica não cria dificuldades, a menos que os dados fornecidos não confiram com o que está no passaporte, ou falte alguma coisa. O bilhete do voo de volta serve como comprovação do seu período de estadia no país. Fazendo reserva em hotel/hostel, imprima sempre a sua reserva, constando endereço e telefone do lugar, você poderá usá-los como referência também.

No aeroporto do Galeão tudo também correu bem para o embarque, apesar de um temporal ter adiado todos os voos em uma hora. O voo foi turbulento ao passar pela zona próxima ao Equador. Ao amanhecer olhei para baixo para o que pensava ser o mar, até perceber que era marrom e não se mexia: era o Saara marroquino. Mais um pouco e vi os Montes Atlas cobertos de neve.

Havia uma escala de cerca de duas horas no aeroporto de Barajas, em Madri. Ao desembarcar, tivemos que passar pela imigração local. Por algum motivo, o policial simplesmente pegou meu passaporte e carimbou num processo que durou exatamente 4 segundos, sem tempo nem para um buenos dias. Eu já estava autorizado a entrar na União Europeia! Mas duas pessoas da nossa equipe passaram por outro policial, que não carimbou seus passaportes e alertou ao grupo de que deveríamos nos encaminhar para o embarque. Aí começamos a sentir a Espanha: além do desencontro na imigração, eles também nos orientaram a ir a um portão que não era o que estava na passagem. O quiosque de informação do aeroporto tampouco sabia confirmar a informação. Na hora do embarque no portão informado, fomos levados a um ônibus interno que circulou por cerca de 15 minutos pelo aeroporto (que é enorme) até nos deixar no portão que, afinal, era o que estava na passagem! Fazia um frio curitibano, e ao longe se via o alto da serra ao norte de Madri coberta de neve (a impressão é de que deve ter feito mais frio na Espanha do que na Inglaterra, já que na volta também vi neve pelos campos espanhóis). Pelo menos deu tempo de comer um sanduíche de jamón. Eu não poderia ter deixado a Espanha sem comer jamón.

Na chegada a Londres, no aeroporto de Heathrow, a fila da imigração era longa, mais da metade de chineses. Europeus da UE pegavam outra fila e entravam com uma identificação automática. Passamos com o grupo todo de uma vez sem problemas. O aeroporto é tão grande que existe uma linha de metrô com quatro estações exclusivamente para uso interno. Já era fim de tarde quando encontramos a coordenadora do Reflora em Kew.


Impressões gerais:

A primeira providência, à qual a nossa cicerone se antecipou, foi obter o oyster, o cartão magnético que serve para o transporte público na região metropolitana da capital. Como ele funciona, eu deixo para sites especializados em turismo em Londres, nos quais eu busquei informação sobre isso antes de viajar. Então pegamos o metrô para Hammersmith. Metrô em ótimas condições, moderadamente cheio ("confortavelmente cheio", melhor dizendo) apesar de ser o horário de rush (num sábado, mas mesmo assim). Chegando a Hammersmith, localizamos o hotel, onde acertamos a questão das diárias e deixamos nossas bagagens, e as lojas mais básicas - o supermercado (Tesco), as farmácias, lojas de roupas e departamentos, e o pound shop Poundland, a loja de conveniências onde tudo custa 1 libra. Eu que não levei coisas para banheiro, e estava com um bafão, precisava de escova e pasta de dentes e um desodorante. Tudo por 1 libra. Muitos de nós compraram água ou outras bebidas, mas a água que sai da torneira é potável, de maneira que eu só gastei com bebida uma vez, para experimentar um refrigerante local (o Doctor Pepper, um refrigerante de "frutas" que parece uma mistura de Grapette com Guaraná Jesus).

Uma das primeiras coisas que vimos foi nossa coordenadora confirmando um mito: para atravessar a rua quando não há sinal, basta por um pé no asfalto e os motoristas param. Lógico que você não vai se jogar na frente de um ônibus e ele vai frear magicamente antes de te acertar, mas o pedestre tem, efetivamente, prioridade. Outra coisa que, andando pela rua, me surpreendeu foi o desleixo de muitos locais com relação ao lixo: papéis, copos, embalagens eram jogados ao chão sem sequer o constrangimento de disfarçar fazendo uma bolinha e "deixando" cair; não, era o papel aberto mesmo, o saco de biscoito, o copo com canudo e tudo. Uma coisa que chocou até os cariocas, que são muito mais porcalhões do que, por exemplo, os paulistas. E os chicletes pisados... olhando as ruas e calçadas, especialmente nas faixas de pedestres, se via marcas pretas de chicletes pisados às centenas.

Os londrinos são ao mesmo tempo brutos e atenciosos: eles andam na rua a passos largos, e não pedem licença. Se você estiver no caminho distraído, vai levar uma trombada. Mas se você pedir uma informação a qualquer um, eles vão atender você da melhor maneira possível, e se perceberem sua dificuldade com a língua, vão se esforçar para falar devagar e claramente, e talvez o levem até onde você precisa ir. Durante as atividades em Kew, a equipe deles teve grande paciência com a nossa, pela deficiência da língua que alguns de nós tínhamos (o meu inglês escrito é fluente, mas o meu conversation ainda era uma incógnita pra mim, mas saiu tão bem que eu tomava a iniciativa nas discussões dos assuntos à mesa, o que nem é da minha natureza falando português). O atendimento nas lojas, restaurantes, e dos policiais na rua é incomparável com qualquer coisa que exista no Brasil.

Chegamos tarde, e tudo que poderíamos fazer era jantar. Achamos um pub em Hammersmith (The Andover Arms). Receávamos que o preço fosse alto, porque estamos acostumados com o Brasil, em que o preço é sempre proporcional à quantidade. Mas os pratos vieram muito bem servidos. Uma de nós teve que se virar para comer uma perna de cordeiro inteira com legumes, como se fosse o Obelix. Absurdamente gostoso, a despeito do que se comenta sobre a qualidade da comida típica de Londres. E, ao contrário do que imaginávamos, mesmo sendo um pub onde os londrinos vão principalmente para beber, este tinha um ambiente familiar: música boa e baixa, assentos acolchoados, e famílias com crianças. A primeira impressão é a que ficou.

Durante a semana, de segunda a quinta, a equipe toda trabalhou em diversas atividades em Kew o dia inteiro, às vezes saindo às 19:00 de lá. Essa é uma constante que eu não preciso repetir daqui para frente. Então, vou fazer um resumo do dia-a-dia nas horas livres.


Domingo:

Acordei todo mundo de manhã, sugerindo vermos a troca da guarda, que aconteceria naquele dia às 11:30. Aproveitei e guiei todos por um caminho que nos apresentou ao Hyde Park (o "Central Park" de Londres), o Marble Arch, o centro comercial da cidade nas ruas Oxford e Regent (onde, lamentavelmente, ainda era muito cedo para entrar nas lojas, que só abririam depois de meio dia), o Piccadilly Circus, e o caminho até o St. James Park e o Palácio de Buckingham. No caminho eu ia e vinha correndo, fotografando lugares ou vendo vitrines e monumentos, e essa correria me deu um calor tal que eu andei de camiseta por algumas horas - os londrinos estavam encapotados com casacos pesados e peludos, como se estivessem na Sibéria, embora a temperatura ainda estivesse acima de 0°C. Chegando em frente ao palácio perto do início da cerimônia, nos posicionamos na fonte em frente ao portão principal, em volta da qual os guardas da rainha iriam marchar.

Eu que tenho desprezo pela disciplina militar achei tedioso ver os soldados fazendo passo de ganso. O divertido foi quando sua banda tocou algumas músicas populares (inclusive, acreditem, a abertura de Uma Família da Pesada), mas foi quando eu já estava sentindo que poderia estar fazendo alguma coisa melhor naquele momento. Quando os guardas marcharam de volta pela rua, e a via foi liberada, achamos a lojinha do palácio. Não poderia deixar de ser, tudo muito fino (souvenires, louças, bordados, cosméticos) e razoavelmente caro, tudo aprovado pela rainha. Comprei sabonetes com o cheiro da rainha para a minha mãe.

O próximo destino eram os museus - uma quadra inteira de museus, teatros, e espaços culturais em South Kensington - especialmente, para mim, o Museu de História Natural. Mas já passava da hora do almoço, e uma coisa que eu realmente não programei foi a comida (quando eu viajo, normalmente as únicas certezas que eu tenho é onde eu vou dormir e quando eu vou embora, o resto é improvisado). Paramos no caminho em qualquer lugar. Aconteceu de ser um restaurante libanês chamado Yamal Alsham. A dificuldade com a língua dos meus colegas, e restrições quanto aos ingredientes (tudo lá é feito com cordeiro, o gado bovino não é tão importante no fornecimento de carne ao inglês como é no Brasil) deixou todo mundo meio de nariz torcido. Eu, pessoalmente, teria devorado o cardápio inteiro, exceto talvez alguns pratos veganos. O ar de sofisticação do local fez, novamente, a gente temer que as quantidades fossem ínfimas, e que uma refeição satisfatória sairia caro. Eu pedi uma entrada de camarão empanado, e duas meninas pediram homus, que também era uma entrada. A gente esperava que viesse um copinho de homus e um pãozinho pra acompanhar. Amigo... pra começar, chega à mesa uma travessa com legumes e verduras inteiros para cada um preparar a sua salada como quisesse, além de azeitonas muito diferentes das que temos aqui em conserva - de cortesia! Quando chegaram os homus, eram duas cumbucas de, talvez, meio litro, regado de azeite, e duas cestas de pães com 4 pães sírios gordinhos. Isso foi nosso almoço (estávamos em quatro)! O garçon até ficou decepcionado quando pedimos a conta sem pedir um prato principal.

Abastecidos, fomos ao Museu de História Natural. Esse foi particularmente um sonho realizado; além de ser um dos maiores e mais ricos museus de biologia do mundo, desde antes de me alfabetizar eu devorava livros sobre dinossauros, e em alguns deles havia fotos de fósseis que até hoje estão em exposição no Museu. É como se eu tivesse sido preparado para isso. Passei umas 4 horas lá dentro, e não consegui ver mais que um quarto do primeiro piso. Mas consegui ver os dinossauros! Acabei expulso pelos guardas que eu estavam fechando o museu.

De lá encontramos outra parte do grupo que se separara a caminho do Palácio de Buckingham e visitara o museu de arte Victoria & Albert, logo ao lado. Decidimos encerrar indo até o Big Ben. Descemos na estação Westminster, e ao sair dela, demos de cara com o rio Tâmisa (pela primeira vez), o prédio do County Hall do outro lado, e a London Eye (a roda gigante). Enquanto as pessoas posavam para foto, eu olhei para trás, e dei de cara com o relógio da torre, que nem tínhamos notado ainda. Mais fotos. Atravessamos a ponte de Westminster e percorremos o pier junto ao County Hall. Os meninos compraram entradas para uma série de atrações para o sábado seguinte, incluindo a roda gigante. Eu que gosto muito de ficar com os pés no chão, fiquei de fora (sábado seria o meu dia). Terminamos comendo um clássico fish & chips (peixe frito com batata frita) por ali mesmo. Ao final do dia, foram mais de 9 km percorridos a pé, só pelas ruas (a quilometragem dentro do Museu, só a vigilante estátua de Charles Darwin sabe).


Segunda-feira:

Depois de um dia cheio, em que conhecemos Kew pela primeira vez (mas não muito, nossa agenda nunca abria espaço para um passeio pelo parque), fui às compras em Hammersmith. Na verdade, comprei uma ou outra coisa no Tesco, principalmente um chá de assam, que se tornaria o meu energético no café da manhã até o fim da viagem - e eu iria a Londres e não tomaria chá? Aliás, o frigobar do quarto tinha, de cortesia, copinhos de leite vedados como iogurte, na medida que eles usam para uma xícara de chá. Achei o detalhe adorável. Também comprei um queijo local que parecia um cheddar, bem saboroso, e guardei no frigobar.

Uma coisa sobre o supermercado é que se você vai pagar no cartão, você pode se dirigir a máquinas que ficam separadas dos caixas, onde você passar os produtos no leitor, e depois paga com o cartão. Os caixas são apenas para quem paga em dinheiro. Com isso, embora o mercado fosse cheio, as filas eram insignificantes.

Como era noite, e desde sexta estava abusando da minha saúde, preferi dormir cedo. Deixei os mais novos saírem e se divertirem por aí.


Terça-feira:

Pela primeira vez andamos no ônibus de dois andares (no andar de cima, claro). Percebemos que o tempo de viagem do ônibus até Kew era o mesmo do metrô (é incrível como eu não vi congestionamento em lugar algum a semana toda), então para Kew passamos a usar só os ônibus.

Saímos tarde de Kew, e resolvemos, de sopetão, conhecer o Soho, o bairro boêmio que seria algo como o "Baixo Leblon" de lá (chamávamos Hammersmith de "Méier" de Londres). O Soho foi um bolsão de miséria em Londres até o começo do século passado, e muitos prédios que constituíam cortiços (com pátios internos) entre ruas estreitas de pedra continuam ali, e hoje hospedam restaurantes finos, pubs, casas de show, teatros e lojas de marca. Topamos com o The Crown, pub que anuncia na porta seu passado como casa de concertos e lugar onde Mozart, aos nove anos, apresentou-se ao lado de sua irmã. Eu tinha que entrar lá. Jantamos. A comida tinha um jeito de "padronizada", porque o pub, como a maioria dos pubs, pertencia a uma rede. Mas deu para o gasto, e ficamos todos felizes. Andamos pelas ruas à noite, vendo as luzes, a movimentação das pessoas, fizemos uma parada em outro pub, The Clachan (da mesma rede do The Crown), onde os meninos tomaram mais alguns pints. Achei um sarro estar na night do Soho, eu que nem saio pra comprar um pão à noite.

Voltamos pela Regent Street, e notamos um camarada nos seguindo. Diferente das outras pessoas, que estavam voltando do trabalho com suas pastas, bolsas, e mochilas, ele não carregava nada, parecia alheio, à toa. Mudamos o ritmo do passo nos afastando das paredes, ele passou por nós, disfarçou, ajeitou uma meia, voltou, deu mais meia volta, e continuou nos seguindo. Fez isso mais uma vez. Quando surgiu a oportunidade atravessamos para o outro lado, dando um perdido nele. Mal sabia ele que estávamos em quatro, e que moramos no Grande Méier, mané.


Quarta-Feira:

Pela primeira vez demos um rolê pelo Jardim Botânico de Kew (porque estava na programação), guiado por uma brasileira que trabalha lá na parte de conservação. Conhecemos as estufas onde cultivam espécies de climas específicos (tropical úmido, tropical seco, deserto, etc., cada estufa rigorosamente climatizada de acordo com as necessidades das espécies) com objetivo de preservar e reproduzir espécies ameaçadas de extinção. Também fomos levados uma das principais estufas de exibição - na mais nova delas havia uma grande exposição de orquídeas brasileiras, embaraçosamente representadas por híbridos asiáticos e sambas-enredo no som ambiente (isso porque foi um brasileiro que montou a exposição). Mas mesmo assim o tempo era tão apertado que nem deu para entrar na estufa de plantas alpinas que fica logo ao lado. Foi o dia em que conseguimos pegar a loja de Kew ainda aberta (compramos bastante coisa; apesar de pertencer à Coroa Britânica, Kew não recebe verba pública, e sua receita vem da bilheteria, da loja, e de cursos e oficinas oferecidas ao longo do ano, além de investimentos individuais em projetos de cada setor da instituição)

Ao final do dia, resolvi passar no mercado novamente e comprar algumas coisas, e depois jantamos num Pizza Hut em Hammersmith. Lá as pizzas tem um preço razoável, não o seu peso em ouro como no Brasil. Além disso, existe todo um buffet de saladas e aperitivos, que é cortesia da casa. Pedi uma chamada Blazin' Inferno, com peperoni, habaneros e jalapeños fatiados. Uma delícia na entrada, um sofrimento na saída.


Quinta-Feira:

Eu estou escrevendo tudo isso com dois meses de atraso, e é realmente difícil lembrar de tudo, pelo menos em ordem! Nesse dia, visitamos a grandiosa Palm House, mas eu jurava que tinha sido no dia anterior (as fotos datadas no celular foram minha cola aqui). Palm House data do século XVIII e simula um clima tropical úmido para cultivar principalmente palmeiras. Em cada extremo da estufa tinha escadas espirais que subiam até uma passarela que circunda a estufa, oferecendo a visão na altura da copa das árvores. Descendo as mesmas escadas, demos com uma galeria subterrânea onde existem aquários de algas - também, cada aquário simulando um tipo de ambiente aquático/marinho, para exibir toda a diversidade de macroalgas que existe. Fiquei extasiado com os aquários de algas! Se é difícil atrair investimento e público para aquários com bichos, imagine de algas! Até por causa disso nos atrasamos para um dos compromissos à tarde.

Curtimos o por do sol da varanda do salão de chá de Kew, com vista para o Tâmisa, e fomos jantar com os brasileiros que trabalham em Kew num restaurante espanhol em Richmond, o Don Fernando's, onde parte da equipe falava português de Portugal. Comida abusivamente deliciosa. Eu me lembro de ter pedido um prato (a maioria ficou nas entradas, que incluía um queijo espanhol empanado que era um crime de bom) mas nem me lembro o que era, só lembro que era bom demais. Ainda sobrou um espaço para camarões al pil pil (camarões fritos no azeite com alho e pimenta, que eu preciso fazer em casa!).

Chegando a Hammersmith, fui mais uma vez ao supermercado. Passei a semana toda procurando um certo biscoito amanteigado para uma amiga no Brasil, e fiz mais uma tentativa, dessa vez num Sainsbury, já que no Tesco não tinha mesmo (fui achar esse biscoito em Heathrow, antes de embarcar para o Brasil). Acabei enchendo duas sacolas de compras (lá você paga pelas sacolas se não trouxer as suas), quase tudo de besteira. Gastei 40 dinheiros nisso. Ainda passei na Poundland em frente e aproveitei a viagem para comprar coisas que são absurdamente caras aqui no Brasil - e que além de baratas lá, são absurdamente mais gostosas do que os similares que temos aqui, como uma certa bolacha coberta de chocolate num dos lados, cujo produto similar mais comum aqui é o Calypso, que tem menos da metade do peso líquido, é mais caro mesmo convertendo a libra em real, e ridiculamente pior. Acabei com uma montanha de gostosuras.


Sexta-Feira:

O programa do dia era ir a Wakehurst Place, em Haywards Heath, no sul da Inglaterra. Era uma viagem de trem de mais de uma hora para o interior, mais uns 15 minutos de ônibus até o local (a cidadezinha também tem ônibus de dois andares, e até com wifi) . Wakehurst é uma antiga propriedade rural, cuja sede é uma mansão de pedra da era elizabetana. Pertence hoje à National Trust, e Kew administra o local em troca da sua conservação e de benefícios aos associados daquela fundação. Wakehurst é de uma beleza cênica que eu não vi igual. Por causa do solo diferente do solo aluvial do Tâmisa, onde fica o Jardim Botânico, em Wakehurst se pode plantar espécies que não conseguem crescer em Kew. Então ali eles compuseram canteiros e bosques inteiros de espécies de todos os continentes. Kew também mantém o Banco de Sementes do Milênio, um centro de estudos avançados em sementes e germinação construído sobre o banco de sementes propriamente dito, que é um bunker blindado à prova de bombardeios nucleares. O objetivo de servir como um reservatório genético da vida vegetal do mundo é levado muito a sério!

O restaurante de Wakehurst funciona no antigo estábulo atrás da mansão... amigo, aquela barriga de porco com cassoulet de feijão branco foi de arrasar.

Ao final do dia decidi me separar do grupo e sair sozinho por aí. Nos separamos na turbulenta estação de Clapham Junction, mas eu não tinha nenhum plano em mente. Olhando em volta, tentando sair do fluxo de pessoas, vi uma estação onde sairia trem para London Bridge, no centrão de Londres. Embarquei, e nem sei se poderia ter feito com o meu oyster, já que aparentemente eu peguei um trem intermunicipal que não estava nos mapas de metrô.

Nessa noite fazia frio, algo flutuando em torno de 0°C. Atravessei a London Bridge, e à direita vi a Tower Bridge, e decidi ir naquela direção. Andei para o leste na margem esquerda do Tâmisa, passei por um monumento lembrando o grande incêndio de 1666, que acredita-se tenha começado naquele mesmo local. Passei pela Torre de Londres, antiga fortaleza-presídio destinado aos prisioneiros mais notórios do reino, e onde hoje estão guardadas as jóias da coroa. A ponte (que se chama Tower Bridge por causa da Torre de Londres ao lado) é belíssima, uma ponte pênsil com duas torres estruturas e cabos de ferro e aço pesadíssimos, toda iluminada. Ela liga um lado ao outro do centro antigo de Londres. Na margem direita, descendo a ponte, há uma rede de vielas antigas, exclusivas para pedestres, e junto ao rio um pier onde chegam navios turísticos, com restaurantes finos e hotéis. O frio e o celular descarregado me obrigaram a fazer uma parada numa Starbucks para achar uma tomada e tomar um chá quente à vista da ponte. Mais tarde experimentei uma pizza na Pizza Express (uma espécie de Pizza Hut londrina). Atravessei a ponte mais uma vez para achar uma estação de metrô para voltar a Hammersmith com um sentimento de satisfação: "eu dominei esta cidade".

Uma pena que eu tenha estado tão próximo do Globe Theater, onde Shakespear encenava suas peças, mas estava sozinho à noite, o frio estava vencendo a minha resistência e eu estava preocupado com o horário em que o metrô para de funcionar, e eu decidi não ir.


Sábado:

Último dia em Londres. Sem obrigações, resolvi usar o dia para tomar algumas providências: precisava de uma mala nova para guardar todas as minhas compras. Sério, fui pra lá com uma mochila nas costas e voltei com uma mala de quase 1 metro de altura. Me servi da Primark de Hammersmith, uma espécie de Renner obscenamente barata. As roupas (possivelmente a maioria fabricada por escravos em Bangladesh) são absurdamente baratas. Levei um sapatênis por 3 libras. Converta isso em reais (a libra vale hoje perto de R$5,10) e você não compraria nem um cadarço com isso no Brasil. Comprei a mala, algumas roupas. Voltei ao hotel, passei uma hora tentando acomodar as coisas dentro dessa malona. Fechei com ela já explodindo, o que era uma pena, como eu veria mais tarde.

Resolvida a questão da mala, fui em direção ao último lugar que eu absolutamente não poderia deixar de ver em Londres: o Museu Britânico, um dos principais museus de arqueologia do mundo. No caminho, desci na Oxford Street, onde comprei algumas lembranças, e voltei à Regent para comprar um cabo na loja da Apple. Fiquei bem confuso dentro da loja: além de cheia, ela não tinha "começo" e "fim". Tinha os mesões com os produtos em exibição (vi pela primeira vez o modelo gigante de iPad e os relógios), mas não tinha caixas. Achei o cabo e perguntei a um rapaz como eu fazia para pagar. Ele me levou a um dos mesões, mexeu alguma coisa em baixo dele, tirou um celular do bolso, pegou meu dinheiro, abriu uma gaveta no mesão, me deu o troco e imprimiu uma nota com uma maquininha acoplada no aparelho. Muito moderno. Me arrependo de não ter comprado o BB8 que funciona acionado por um aplicativo de celular. Era pouco mais de 100 libras (aqui são R$3000,00!). Mas a minha mala realmente estava explodindo e fiquei com medo de não ter como guardá-lo.

Eu sentia o tempo passar, e pulei todas as outras coisas que eu poderia ver no caminho (a enorme loja de brinquedos Hamley's, a histórica loja de departamentos Selfridge's, e a Baker Street, endereço de Sherlock Holmes) para poder passar mais tempo no Museu. A pequena fração que eu vi nas horas que eu fiquei no Museu de História Natural me ensinaram a lição. No entanto, ainda parei para almoçar: uma lanchonete servia "Brazilian black beans", que, sinceramente, lembra bem pouco o feijão carioca :P

O Museu Britânico é o melhor lugar do mundo. Um enorme palácio neoclássico com um átrio gigantesco, onde foi erguida uma torre cilíndrica, onde funcionam lojas, banheiros, lanchonetes e pontos de informação, e todo o espaço entre a torre e o prédio revestida por um teto armado de vidro e aço. Nem sei quantos andares tem. Entrei por um portão que dava a uma ala onde havia uma exposição temática sobre arte islâmica. De lá, passei à ala sobre Américas, indo dos esquimós até a Mesoamérica, com relíquias que eu já conhecia dos livros. Me desviei para um corredor semelhante a uma biblioteca, que homenageia alguns dos exploradores que contribuíram para o museu e expõe livros, estátuas e artefatos de diversos lugares e épocas. Por ali saí para o átrio central e passei à coleção egípcia. Logo de cara, a Pedra de Rosetta, onde está gravado um texto em três alfabetos distintos (hieroglífico, demótico, e grego), e que permitiu aos arqueólogos decifrarem o significado dos hieroglifos egípcios. Eu precisava ver aquilo com meus próprios olhos.

Passei apressado pela coleção egípcia, porque trabalhei muito tempo no Museu Nacional do Rio de Janeiro, e aquilo não era exatamente novidade para mim. Mas me detive por horas nos corredores da coleção assíria, onde eles reproduziam os painéis em baixo relevo que ornavam os palácios imperiais das diferentes fases do império assírio. Da Assíria passei à Grécia, com sua história, do povo das Cíclades e a civilização micênica até o período clássico em obras de arte, cerâmica, estátuas, armas, adornos, que reproduziam em si mesmos cenas da mitologia e da história da Grécia Antiga. Havia salões onde templos inteiros foram transportados de seus sítios originais e remontados. Vi com meus olhos os resquícios do Templo de Ártemis de Éfeso, as estátuas e frisos do Mausoléu de Mausolos de Halicarnasso, duas das 7 Maravilhas do mundo antigo. Em dois ou três salões, estavam expostos fragmentos de colunas e estátuas do Parthenon (que foi pelos ares em 1687, quando os venezianos atacaram o lugar, usado como um paiol pelos turcos), e em outro, bem maior, o que restou dos frisos e esculturas, de autoria do genial escultor Fídias, que adornavam o templo. Não podia, mas eu fiz questão de passar a mão no capitel de uma das colunas, só pra dizer que eu toquei no Parthenon.

Estava extasiado, mas achei, depois de cinco horas, que era hora de avançar no tempo - eu ainda estava no mundo de cerca de 400 a.C.! Subi pela torre central do museu e descobri uma passarela para uma ala no último andar onde estava a coleção da Mesopotâmia do 7º ao 2º milênio a.C., o berço da civilização! Mas era justo a hora de fechar o museu... Andei a esmo depois até a estação Blackfriars (sobre a qual funciona um pub homônimo, e aí não sei quem deu nome a quem) e voltei de metrô a Hammersmith, onde reagrupei com o pessoal. Fomos a um pub por lá mesmo para uma saideira rápida (os bares fecham às 22:00, no sábado!), porque precisaríamos estar no aeroporto às 3 da manhã.
 
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